‘Não passa na prova dos noves do jardim de infância do direito constitucional’, afirma Gilmar
BRASÍLIA – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticou nesta quinta-feira o fatiamento ocorrido no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Com isso, houve duas decisões na última quarta-feira no Senado, que julgou o processo. Na primeira, ela foi afastada definitivamente do cargo. Na segunda, Dilma saiu vitoriosa e escapou de ficar proibida de ocupar cargos públicos por oito anos. Na avaliação de Gilmar, foi uma decisão “bizarra”, que “não passa na prova dos noves do jardim de infância do direito constitucional”.
O fatiamento teve aval do presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que também presidiu o julgamento do processo do impeachment. Foi feito um destaque para votação em separado (DVS), que permitiu preservar a elegibilidade de Dilma.
— O que se fez lá foi um DVS, não em relação à proposição que estava sendo votada. Se fez um DVS em relação à Constituição, o que é, no mínimo, bastante delicado, bizarro. Fazer um DVS em relação à própria norma constitucional. Mas vejam vocês como isso é ilógico: se as penas são autônomas, o Senado poderia ter aplicado à ex-presidente Dilma Rousseff a pena de inabilitação, mantendo-a no cargo. Essa é a tese. Então, veja, não passa na prova dos nove do jardim de infância do direito constitucional — disse Gilmar, concluindo: — Do ponto de vista da solução jurídica, parece realmente extravagante, mas certamente há razões políticas e tudo mais que justificam, talvez aí o cordialismo da alma brasileira e tudo isso. Eu não sei também se os beneficiados dessa decisão ou por essa decisão teriam a mesma contemplação com os seus adversários.
Crítico da Lei da Ficha Limpa, Gilmar destacou que não há na legislação que trata de inelegibilidades menção ao presidente da República. Para ele é estranho que crimes menores levem vereadores a ficarem inelegíveis, enquanto uma presidente cassada por crime de responsabilidade não sofra a mesma punição.
— Estamos diante de uma lei, e nós temos tido esse debate, a lei de inelegibilidade, que é draconiana, extremamente rígida, aprovada em 2010. É curioso até que essa lei foi modificada e retirou a situação de inelegibilidade do presidente da República. Talvez porque pensasse que bastava o disposto na Constituição quanto à inabilitação por oito anos. E nós temos uma situação hoje em que pessoas que tem contas rejeitadas pelo tribunal de contas, que tem a sua exclusão de uma entidade de classe por um motivo formal, que têm a demissão de um cargo público como punição, essas pessoas estão inelegíveis. E alguém que é responsabilizado por um crime de responsabilidade, resta indene, resta imune. Isso certamente é um dado preocupante — afirmou o ministro.
RECURSO DE DILMA
Gilmar disse ainda que o STF não deve emitir juízo sobre a questão. A defesa de Dilma entrou com uma ação no tribunal questionando o processo. Questionado se o STF pode cancelar a sessão do Senado ocorrida na última quarta-feira, que cassou Dilma, Gilmar respondeu:
— Não acredito que isso venha a ocorrer. O tribunal tem sido muito cauteloso em relação a isso. Até vocês já estão exaustos sobre esse tema.
O fatiamento foi criticado por muitos juristas. Gilmar disse que compartilha essa preocupação. Ele lembrou o precedente do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, que permitiu o fatiamento, mas destacou que era um caso singular. Na época, Collor renunciou ao cargo. Assim, não havia mais que decidir sobre a cassação. Mas o Senado continuou o julgamento e decidiu apenas sobre a inelegibilidade. A defesa de Collor chegou a questionar isso no STF, mas, na ocasião, por sete votos a quatro, o tribunal entendeu que o Senado poderia continuar o julgamento para definir se Collor ficaria inabilitado a ocupar cargos públicos.
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— Sempre se fala em precedente do caso Collor, mas é um caso singularíssimo, porque o presidente renunciou na sessão de julgamento, no último momento quando ia fazer a defesa anuncia então que renunciaria. Aí houve aquela deliberação que foi submetida aos senadores, que então entenderam que precisavam deliberar não sobre a perda do cargo, mas sobre a inabilitação, tanto é que ele ficou inabilitado, inelegível por oito anos — disse Gilmar.
Na quarta-feira, o ministro mais antigo do STF, Celso de Mello, expressou posição semelhante. Ele disse que o impeachment de presidente da República implica necessariamente em inabilitação para ocupar cargos públicos. Embora tenha dito que não opinaria no caso concreto, Celso disse que votou dessa forma em 1992, na ação apresentada pela defesa de Collor, mas foi voto vencido. Tanto que o julgamento foi concluido, levando à inelegibilidade do ex-presidente. Nesta quinta-feira, Celso voltou a defender a mesma posição.
— A sanção constitucional é una e, sendo una, ela é incindível. Portanto, parece não muito ortodoxo que tenha havido tratamento autônomo como essa separação de duas medidas, que, na verdade, mutuamente, interagem — afirmou Celso de Mello.
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