Caso tramita administrativamente, Fundação nega, mas dados da Receita Federal desmentem; entenda
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) está sendo acusada de ter recebido indevidamente, R$ 16 milhões do governo de Rondônia, na gestão do ex-governador Confúcio Moura (MDB). Três empresas comprovam terem executado o trabalho, do qual a FGV se apropriou e recebeu do Estado.
O caso teve início ainda em 2006, na gestão de Ivo Cassol. O então governador estava buscando soluções para reduzir uma dívida do Estado junto à Receita Federal e para isso celebrou o contrato 022/PGE-2006 com a Fundação Franco-Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento – FUBRAS – que tinha como objeto “a prestação de serviços profissionais, a nível de consultoria, tendo por meta viabilizar, através de coleta de dados, análises e estudos, possibilidades de redução ou, conforme o caso, recuperação de cargas tributárias, previdenciárias e recolhimentos compulsórios, de interesse da Fazenda Estadual, mediante adoção de procedimentos alternativos, nas operações já realizadas, incluídos nos serviços contratados a identificação e o levantamento dos valores referentes aos créditos da fazenda estadual, recolhimentos impositivos, não identificados ou não aproveitados em época própria e valores outros que tenham sido pagos indevidamente, de forma total ou parcial, além de benefícios fiscais/financeiros e patrimoniais que não tenham sido usufruídos pelo Estado, independendo os benefícios fiscais/financeiros e patrimoniais de estarem em atividade, ou em processo ainda de liquidação”.
Como o volume de trabalho era muito grande, a Fubras contratou outras duas empresas, a Fagundes Consultoria, Assessoria e Representações e a Soft Consultoria. O contrato previa um pagamento sobre o sucesso do trabalho, ou seja, as empresas só receberiam pagamento caso a dívida fosse reduzida. Após anos de trabalho, as empresas conseguiram abater dívida previdenciária do Estado no valor de R$ 110.890.799,19 junto à Receita federal.
Perante a Receita Federal o processo, que reclamava decadência (forma de extinção de débitos tributários/previdenciários), levou o número 10240.000866/2009-98, cujo conteúdo passou a ser analisado pelos auditores do órgão federal.
Chama a atenção o número do processo, pois fica claro que teve início no ano de 2009.
O contrato entre o Estado e a FUBRAS foi objeto de sete termos aditivos, sendo o último celebrado em 01 de abril de 2010.
Até então a Receita Federal não se manifestara sobre os resultados.
Em janeiro de 2011 o Estado passa a ser comandado por Confúcio Moura, e as empresas contratadas por Cassol não tiveram mais qualquer acesso a informações sobre o processo do Estado junto à Receita.
FGV recebeu pelo trabalho dos outros
Passados dois mandatos de Confúcio Moura sem informações, eis que as empresas conseguem acesso através da Receita Federal, e souberam que o pedido formulado pelo Estado, que foi orientado com documentação produzida por elas, e que geraram o processo 10240.000866/2009-98, havia sido considerado procedente, tendo seus pedidos deferidos, com base na alegada decadência tributária, na forma como foi conduzido pelas consultoras contratadas na gestão de Ivo Cassol.
Porém, além de terem descoberto que a Receita havia deferido o pedido efetuado em cima do trabalho que elas fizeram, as empresas também tiveram uma desagradável surpresa, ao descobrir que a Fundação Getúlio Vargas havia se apropriado do trabalho delas, já no ano de 2013, e que por conta disso havia recebido pagamentos no total de R$ 16 milhões.
O contrato do Estado com a FGV foi realizado no ano de 2013 (contrato nº 105/PGE-2013).
A partir desse contrato a FGV se reportou à Receita Federal endossando ou formulando algum pedido alternativo ao que lá constava, sobre o mesmo assunto.
A prova material de que houve apropriação do trabalho de terceiros por parte da FGV, com a a concordância do Estado, está dentro do próprio processo, pois em 09 de dezembro de 2014, ainda no processo administrativo 10240.000866/2009-98, que tramitou na Delegacia da Receita Federal, na folha 935, consta despacho dos Auditores de Tributos da Receita Federal Carmencita Capelasso e Kledson de Lima Marques, no qual eles citam os processos nº 10240.001130/2008-56, que tratavam de parcelamento da dívida do Estado para com a previdência, enquanto o de nº 10240.000866/2009-98, versa sobre o pedido de exclusão de débitos, posto terem eles sido atingidos pela decadência, na forma definida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, com o critério de aplicação decadencial através da Súmula Vinculante nº 08/2008.
Além disso, a Chefe da Sacat/DRF/PVO/RO, Severina Maria Patriota Coutinho, encaminhou o ofício nº 595/2014/DRF/PVO/Sacat, ao Secretário de Estado de Finanças de Rondônia, no qual deixava evidente que os “despachos decisórios anulando/retificando as competências decadentes, foram emitidos em 26/11/2009, com ciência ao Governo do Estado de Rondônia em 17/09/2010, de acordo com documentos constantes do processo 10.240.000866/2009-98”.
O que causou demora na materialização da exclusão dos créditos decadentes, consta no mesmo ofício, segundo a Receita Federal foi “a impossibilidade de operacionalização nos sistemas informatizados previdenciários, quais sejam apropriação de parcelas de retenções anteriores, retificações, exclusões”.
Porém, ao invés de chamar as empresas que haviam feito todo o trabalho, para pagá-las pelo êxito, pagou para a Fundação Getúlio Vargas, no ano de 2015, entre fevereiro e julho R$ 16 milhões.
Ao todo a FGV emitiu 14 notas fiscais eletrônicas, na cidade do Rio de Janeiro. Em todas elas consta a descrição dos serviços prestados com os seguintes dizeres: Prestação de serviços de apoio e assessoria na revisão, via administrativa, da dívida fundada e recuperação de direitos financeiros e econômicos, com comprovação de êxito para o Governo de Rondônia, através de créditos recuperados – NFLD.
Estranhamente nas notas não consta número de processo administrativo, bem como número do contrato celebrado com o Estado.
Nota nº Data Valor R$
1) 00117630 08/01/2015 214.410,12
2) 00117631 ” 380.988,26
3) 00117633 ” 493.250,43
4) 00117634 ” 250.640,45
5) 00117635 ” 2.316.510,14
6) 00117636 ” 71.863,83
7) 00117637 ” 763.041,91
8) 00117638 ” 1.994.028,41
9) 00117639 ” 862.736,34
10) 00117640 ” 1.969,35
11) 00117641 ” 151.002,44
12) 00117642 ” 2.108.002,29
13) 00117643 ” 827.536,72
14) 00117644 ” 11.102.776,80
Valor total de R$ 21.538.757,49
Desse valor, a FGV teria recebido R$ 15.682.958,09, através dos pagamentos das notas:
00117630 a 00117635 – R$ 1.800.00,00
00117636, 00117637 e 00117638 – R$2.828.934,16 00117639, 00117640, 00117641 e 00117642 – R$2.000.000,00
00117642 (saldo), 00117643 e 00117644(parcial) – R$ 13.054.023,94
00117644 – R$ 2.000.000,00
00117644 – R$2.000.000,00
00117644 – R$2.000.000,00
Restante pendente da nota fiscal 00117644, o Estado pagou mais R$ 2.000.000,00.
Com a palavra a FGV
Procurada por PAINEL POLÍTICO, a Fundação Getúlio Vargas encaminhou nota através de sua assessoria onde afirma que os valores que recebeu foram havidos corretamente. Veja abaixo:
“Trata-se de tema antigo, pois, em novembro de 2018 a FGV já havia repudiado, expressamente, junto à Secretaria de Finanças do Estado, as condenáveis tentativas, por empresas de consultoria, de macular o trabalho exitoso apresentado pela Fundação, bem como de capturar sua autoria. Naquela oportunidade, a FGV deixou claro, inclusive, que não mediria esforços para defender sua imagem – o que reitera, construída ao longo de 74 anos de enorme contribuição para o desenvolvimento do Brasil, contra eventuais oportunistas que, ao que resta evidente, pretendem auferir ganhos aos quais não têm direito, com base em imputações distanciadas da verdade”
Mas, lendo o teor do ofício que a Receita Federal encaminhou para o Estado, parece evidente que alguma coisa muito errada andou acontecendo.
Diz a Receita Federal:
“Ofício nº 595/2014/DRF/PVO/Sacat
Porto Velho, 22 de dezembro de 2014
A Sua Excelência o Senhor
Secretário de Estado de Finanças em Rondônia
Av. Presidente Dutra com Rua Pio XII, s/nº – Bairro Pedrinhas
Porto Velho/RO CEP 76.801-478
Assunto: Ofícios nº 249, 250, 251, 252, 253, 254, 315, 316, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323/GCDP/GAB/SEFIN/2014
Senhor Secretário
Em atendimento aos ofícios em epigrafe, temos a confirmar que consta no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, formalização de processo administrativo 10240.000866/2009-98 que trata de reconhecimento de decadência de créditos parcelados sob a égide da Lei 10.684/2003, cadastrados no processo 10240.001130/2008-56 em nome do Governo do Estado de Rondônia.
Ressaltamos que a protocolização do pedido de reconhecimento de decadência foi efetuada em 11/05/2009 com base na Súmula Vinculante nº 8 do STF. Os Pareceres e Despachos Decisórios anulando/retificando as competências decadentes, foram emitidos em 26/11/2009, com ciência do Governo do Estado de Rondônia em 17/09/2010, de acordo com documentos constantes do processo 10240.000866/2009-98.
Tendo em vista a impossibilidade de operacionalização nos sistemas informatizados previdenciários, quais sejam apropriação de parcelas de retenções anteriores, retificações, exclusões, apenas recentemente esta Unidade conseguiu finalizar os procedimentos em obediência aos Pareceres de reconhecimento de decadência, culminando com a liquidação total do parcelamento de créditos previdenciários cadastrados no processo 10240.001130/2008-56.
Mais claro impossível. Em 22 de dezembro de 2014 a Secretaria da Receita Federal informa ao Estado de Rondônia que, com base no processo protocolado no ano de 2009 e que “Os Pareceres e Despachos Decisórios anulando/retificando as competências decadentes, foram emitidos em 26/11/2009, com ciência do Governo do Estado de Rondônia em 17/09/2010, de acordo com documentos constantes do processo 10240.000866/2009-98.
Ou seja, em 26 de novembro de 2009 a Receita Federal emitiu pareceres e despachos decisórios sobre o pedido, que foi considerado procedente, por conta da decadência, e disso deu notícia ao Estado em 26 de novembro de 2010.
E, como diz o mesmo ofício da Receita Federal questões de ordem operacional nos sistemas informatizados previdenciários, retardaram a finalização dos procedimentos, apenas em 2014 foi realizado este procedimento.
O contrato da FGV com o Governo Estadual é do ano de 2013.
A única pergunta é: como um contrato de 2013 pode ter sido deferido pela Receita Federal em 2009?
Foto de capa – Prédio da FGV em Botafogo, Zona Sul do Rio Foto: Berg Silva
FONTE: PAINEL POLITICO
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