Ex-presidente republicano dificultou a devolução de documentos confidenciais, revela versão editada do mandado de busca na mansão de Mar-a-Lago, na Flórida. Material colocaria em risco o trabalho de agentes do Serviço Secreto
O FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) afirmou que o ex-presidente norte-americano Donald Trump dificultou a devolução de documentos confidenciais que mantinha no resort privativo de Mar-a-Lago, na Flórida. Em janeiro, 700 páginas de 184 documentos guardados em 15 caixas foram entregues pela equipe do magnata ao Departamento de Justiça. Os investigadores, então, desconfiaram que “outros documentos que incluíam informações altamente secretas de defesa nacional” ainda estavam em Mar-a-Lago. Uma versão editada do mandado de busca, divulgada ontem pelo Departamento de Justiça, revelou que os agentes tentaram, por várias vezes, buscar os papéis na mansão, mas não tiveram sucesso. Até 8 de agosto, quando o FBI vasculhou 58 cômodos e 33 banheiros e saiu da residência com mais 15 caixas.
A resistência configuraria crime de obstrução de Justiça. Por sua vez, a posse do material retirado da Casa Branca pode custar ao magnata indiciamento por violar a Lei de Espionagem. De acordo com o mandado, os documentos entregues no começo deste ano eram capazes de comprometer “fontes humanas clandestinas” usadas na coleta de inteligência e de afetar o trabalho de agentes do Serviço Secreto. O senador Mar Warner, chefe do Comitê de Inteligência do Senado, defendeu uma avaliação dos causados pelo manuseio incorreto das informações.
Segundo o mandado de busca, 67 dos documentos obtidos em janeiro estavam marcados como “confidenciais”, 92 como “secretos” e 25 como “ultrassecretos”. Também havia jornais, recortes de periódicos, fotos, anotações, correspondências presidenciais e pessoais e “muitos arquivos sigilosos”.
A agência de notícias France-Presse informou que os investigadores ficaram particularmente preocupados com o fato de Trump ter mantido esse material em um cômodo não seguro de sua mansão.
Richard H. Immerman, professor de história da Temple Universiy (na Filadélfia) e vice-diretor de inteligência nacional durante o governo de Barack Obama (2009-2017), afirmou ao Correio que Trump cometeu “violação grave de uma série de leis, desde a Lei de Registros Presidenciais até a Lei de Espionagem”. “A gravidade dos crimes dependerá do conteúdo dos documentos. Sabemos que alguns são confidenciais, e, entre eles, há informações compartimentadas ultrassecretas e sensíveis, rotuladas de TS/SCI. Mesmo com a divulgação do mandado de busca editado, não conhecemos os detalhes”, comentou.
Preocupação
Ao abordar o risco ao qual Trump expôs os agentes do Serviço Secreto, Immerman explicou que não se pode mensurar a extensão. “Todos os ramos da comunidade de inteligência se preocupam, de forma contínua, com a divulgação de fontes e de métodos. Com base no que é conhecido como ‘teoria do mosaico’, adversários podem determinar a identidade de agentes secretos ou de ativos dos EUA sem que seus nomes apareçam em um documento. Alguns riscos podem ser exagerados, mas precisaríamos ler o documento e conhecer o contexto para avaliar a ameaça de modo legítimo”, disse.
Ex-procurador federal e advogado na firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York), Mitchell Epner admitiu a gravidade do escândalo. “Esta é a mais grave exposição criminal de qualquer presidente ou ex-presidente dos Estados Unidos desde a Guerra Civil”, advertiu. “A preocupação é de que os simpatizantes mais virulentos de Trump tenham alvejado agentes federais de aplicação da lei, após o o republicano classificar a investigação como uma ‘caça às bruxas'”, acrescentou. Ele lembrou que, no começo deste mês, um apoiador de Trump disparou contra o escritório do FBI em Cincinnati (Ohio) e foi morto em um tiroteio.
Epner acredita que o ex-líder republicano possa ser condenado à prisão. “Trump enfrenta perigo real sob a Lei da Espionagem. Se condenado, sua provável faixa de sentença seria de 14 a 17 anos, o que essencialmente representaria prisão perpétua para o ex-presidente, que tem 79 anos”, afirmou. Além do caso envolvendo a retenção de documentos, Trump enfrenta uma investigação de um comitê criado pela Câmara dos Representantes sobre o seu papel na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e sobre a tentativa de reverter o resultado das eleições de 2020.
Na Truth Social, rede social criada por ele mesmo, Trump tornou a reclamar que é alvo de uma “caça às bruxas” e atacou a Justiça de seu país. “Neste momento, estamos vivendo em uma nação sem lei, que resulta ser, também, uma nação fracassada!”, escreveu.
Por sua vez, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi questionado por jornalistas sobre a divulgação do mandado de busca e saiu em defesa de seu governo. “Deixemos que o Departamento de Justiça se encarregue disso”, reagiu. Ao embarcar para a sua casa, em Delaware, o democrata admitiu que levava consigo documentos confidenciais, mas destacou que contava em sua residência com “um espaço altamente seguro”.
Promulgada depois do escândalo Watergate, na década de 1970, A Lei de Registros Presidenciais determina que o presidente norte-americano, ao deixar o cargo, deve entregar todos os dossiês oficiais para os Arquivos Nacionais, a instituição que controla os documentos presidenciais.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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