Secretários de saúde devem se reunir nesta sexta. Ministério da Saúde defendeu não só prescrição médica, mas autorização dos pais
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) não cumprirá a exigência de receita médica para vacinar crianças contra a Covid-19. Entre os gestores, o sentimento é de indignação diante da medida, a qual consideram “absurda”. No Rio, o prefeito Eduardo Paes informou em uma publicação no twitter que crianças de 5 a 11 anos não precisarão de receita médica para tomar a vacina contra a Covid-19 na cidade.
O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também avalia que não há necessidade da exigência e estuda uma posição oficial com foco em fazer as vacinas chegarem aos municípios.
Os secretários estaduais prepararam uma reação ao Ministério da Saúde que saiu em nota após se reunirem nesta sexta-feira. No texto, afirmam que buscarão formas de facilitar a imunização, sem exigir a receita médica. A nota dirige-se às crianças.
“Infelizmente, há quem ache natural perder a vida de vocês, pequeninos, para o coronavírus. Mas com o Zé Gotinha já vencemos a poliomielite, o sarampo e mais de 20 doenças imunopreveníveis. Por isso, no lugar de dificultar, a gente procura facilitar a vacinação de todos os brasileirinhos”, diz a carta.
O Ministério da Saúde abriu consulta pública sobre a imunização do público de 5 a 11 anos, na qual defendeu não só a prescrição médica, mas a autorização dos pais. A publicação veio com um dia de atraso em relação à data anunciada no Diário Oficial da União (DOU). Especialistas afirmam que a consulta elaborada pelo Ministério traz perguntas que reforçam posição contra a vacinação.
A consulta pública é composta por um documento de 27 páginas que contém a posição da pasta sobre a vacinação infantil a ser realizada de forma não compulsória. Além disso, há um formulário com 19 perguntas pedindo dados pessoais e a opinião dos participantes sobre o tema. Leia os principais pontos:
- “Você concorda que o benefício da vacinação contra a COVID-19 para crianças de 5 a 11 anos deve ser analisado, caso a caso, sendo importante a apresentação do termo de assentimento dos pais ou responsáveis?”
- “Você concorda que o benefício da vacinação contra a COVID-19 para crianças de 5 a 11 anos deve ser analisado, caso a caso, sendo importante a prescrição da vacina pelos pediatras ou médico que acompanham as crianças?”
A exigência de prescrição que já havia sido defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, foi antecipada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira. Entre os especialistas, a avaliação é de que a medida pode afastar da vacinação as crianças que tenha pouco ou nenhum acesso aos serviços de saúde.
Consulta saiu do ar após duas horas
O questionário aceita até 50 mil respostas, marca atingida em duas horas. Com isso, a consulta saiu do ar. Ainda era possível preencher o formulário, mas não enviá-lo, uma vez que aparecia um aviso de que o número máximo de respostas já tinha sido atingido. Critérios de segurança foram dispensados, já que não há mecanismo antifraude, validação de CPF ou de CNPJ, termo de consentimento de tratamento de informações com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Um novo formulário foi aberto, por volta das 11h30, para novas contribuições. A previsão é de que a consulta pública fique aberta até 2 de janeiro. O ministério deve realizar uma audiência pública sobre o tema no dia 4 do mesmo mês. Um dia depois, a pasta pretende se manifestar.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos na semana passada. Pela decisão, devem ser duas doses de Pfizer, com intervalo de 21 dias. O anúncio intensificou a onda de aameaças, inclusive de morte, que a agência começou a receber em outubro.
Como mostrou O GLOBO, ao menos 301 crianças da faixa etária morreram de Covid-19 no Brasil desde o início da pandemia. Na média, o coronavírus ceifou uma vida mirim a cada dois dias.
Médico aponta ‘pegadinhas’
Especialistas em saúde pública ouvidos pelo Globo avaliaram que as perguntas da consulta induzem respostas que coincidem com os interesses do governo federal, que quer condicionar a vacinação à apresentação tanto da receita médica quanto di termo de consentimento assinado pelos pais ou responsáveis. Para eles, a decisão de vacinar as crianças é técnica e sequer deveria ter sido submetida a consulta, mas, uma vez sendo feita, o modelo deveria ser outro, sem enquete, apenas com um espaço para os participantes da consulta opinarem livremente.
— Parece uma prova mal feita com pegadinhas, como a gente conhecia no tempo de estudante — criticou Cláudio Maierovitch, médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Departamento de Vigilância Epidemiológica do Ministério da saúde, que também afirmou:
— Me parece absurdo esse modelo. Primeiro são perguntas que induzem uma determinada resposta. Não deixa a pessoa opinar como ela quer. Se a pessoa é a favor da vacinação sem restrições, ela dificilmente encontra essa opção. Tem condicionais nas perguntas que não permitem que opine livremente se tiver essa opinião de que a vacinação deve ser dada sem restrições às crianças.
Fernando Hellmann, professor e pesquisador do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, tem opinião semelhante:
— Da forma que está é uma enquete para mais uma vez gerar na sociedade uma sensação de insegurança quanto à vacina. As perguntas tentam a induzir uma resposta, que é a resposta que quer o governo.
FONTE: O GLOBO
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