Cultura

Coronavírus acelera a aproximação entre cinema físico e virtual

Coronavírus acelera a aproximação entre cinema físico e virtual

A quarentena imposta pelo coronavírus tem forçado uma maior aproximação entre as salas de cinema, fechadas para evitar aglomerações, e o mundo do streaming, que permite a cada um ficar no seu canto.

Lançar um filme e soltá-lo nas mídias digitais –práticas religiosamente separadas por uma janela de tempo– têm se tornado quase sinônimos nesta época de exceção. E agora esse processo se intensifica, no Brasil, com o surgimento da plataforma Cinema Virtual, que começou suas atividades nesta quinta.

Gestada em 2014 pelo empresário Marcelo Nunes, a ideia originalmente previa apenas ampliar o alcance de filmes menores, de distribuição restrita a poucas salas, organizando um lançamento digital simultâneo ao físico.

Nunca vingou. Mas Nunes retomou o plano antigo a toque de caixa quando viu que o digital, que era antes um complemento, agora se viu elevado a plano A.

A plataforma, então, decidiu incorporar também o exibidor. “E se pegássemos o projeto lá de trás e transformássemos em fonte de renda também pro cinema?”, disse ter raciocinado o empresário.

Explicando o cálculo: ao entrar no site, você escolhe o filme que quer assistir – estão disponíveis dez longas inéditos, que tinham previsão de entrar em circuito e serão renovados semanalmente – e, em seguida, a sala onde quer assistir, apadrinhada por suas correspondentes reais.

Há desde janelas com nome de grandes redes como Playarte e Centerplex até o Cinema do Dragão, de Fortaleza, e o Cine Casarão, de Manaus. A renda do ingresso – de R$ 19,90 a R$ 24,90 – vai em parte para a sala de cinema escolhida.

“No nosso primeiro contato com exibidores, a reação era ‘puxa, está chegando alguém pra comer uma fatia do bolo’. Mas na verdade nós estamos vindo pra festa com um bolo novo”.

A proposta deve continuar quando os cinemas reabrirem. “Queremos que conteúdo que não seja programado fisicamente, por falta de espaço, possa continuar sendo exibido digitalmente pelo próprio exibidor.”

É uma posição que borra ainda mais as fronteiras e força uma revisão do conceito de “janela de exibição”, a obrigação tradicional de que um filme fique cerca de três meses no cinema antes de ir para o vídeo sob demanda.

Nos Estados Unidos, a Universal já causou enorme rebuliço ao lançar “Trolls 2” no streaming no mesmo dia em que o filme estava programado para entrar nas salas de cinema, que começavam a fechar suas portas. Depois o estúdio anunciou, animado, ter obtido lucro recorde, da ordem de US$ 100 milhões.

As duas principais redes de cinema do país chegaram a organizar um boicote aos filmes da Universal, para se ter uma ideia de como o tema é delicado dentro da indústria.

Pesquisa realizada nos EUA este mês com membros de todos os níveis de produção e distribuição de filmes mostrou que uma ampla maioria aprovava uma redução da exclusividade de 90 dias para o lançamento nas salas de cinema – o único grupo a rejeitar majoritariamente a ideia foram os exibidores. Os mais entusiastas foram os diretores.

“Janelas são estratégias para ampliar o potencial de um filme”, aponta Felipe Lopes, diretor da Vitrine Filmes. “A primeira de todas é a sala de cinema, que agora não pode ser explorada.”

Ele lembra que quando a pandemia explodiu, estava em cartaz “Você Não Estava Aqui”, dirigido por Ken Loach e distribuído pela Vitrine. O filme não esgotou todo seu potencial de público nem atendeu ao que era esperado pelo investimento em campanhas –o que fez com que decidissem antecipar logo sua entrada nas plataformas online.

“É uma proposta que oferta ao público novos lançamentos e mantém as salas de cinema dentro de uma roda que tem que continuar girando”, diz Lopes sobre a plataforma, lembrando que as distribuidoras têm vários filmes acumulados, esperando estrear –e que não podem ser todos desovados de uma vez quando as salas reabrirem.

A Vitrine, que trabalha principalmente com cinema nacional, ainda tem o agravante de as regras da Ancine vetarem que filmes brasileiros sejam lançados primeiro em plataformas digitais.

“É uma situação totalmente kafkiana, essa impossibilidade jurídica”, diz Bruno Wainer, diretor da Downtown Filmes, responsável pelo lançamento de vários blockbusters nacionais. “Você é obrigado a lançar filme em cinema, e não tem cinema.”

Wainer afirma que está contornando a situação indo atrás de serviços de streaming como Netflix, Amazon e Globoplay para vender suas produções prontas e ganhar tempo.

Sobre o estreitamento da distância entre o lançamento físico e virtual, ele afirma que banalizar a janela do cinema talvez se revele um tiro no pé da rentabilidade dos próprios filmes, citando um exemplo da distribuidora dele.

“Veja o caso extremo que foi ‘Minha Mãe É uma Peça 3’. Não tem valor de aquisição por streaming que pague os 130 milhões de reais que fizemos na bilheteria”, diz ele. “Você vai estar na mão da aquisição de empresas, em vez de ter chance de valorizar seu produto falando direto com o público.”

“É precoce entrar nessa discussão agora, porque é um momento de muita incerteza”, diz Euzébio Júnior, diretor de outra grande distribuidora, a Califórnia Filmes. Ele ressalta que leu estudos da indústria americana que apontavam que o cinema era um dos principais espaços a que as pessoas queriam voltar depois da quarentena, aparecendo logo depois da praia. “Na minha opinião, o cinema vai voltar forte como sempre.”

FONTE: FOLHAPRESS

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Marcio Martins martins

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