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Chegou no Brasil denuncias contra Padres da igreja Católica; Quatro ex-coroinhas denunciam padre do interior de São Paulo por abuso sexual

Eles contaram suas histórias ao GLOBO, com exclusividade; padre Pedro Leandro Ricardo se diz inocente

Quatro ex-coroinhas procuraram a Polícia Civil de Araras, no interior de São Paulo, para registrar novas queixas de assédio sexual contra o padre Pedro Leandro Ricardo, investigado por suspeitas de abuso, inclusive de menores de idade. Eles falaram com exclusividade ao GLOBO (os relatos dados na íntegra estão abaixo).

Duas das pessoas que se apresentaram na manhã de segunda-feira, 18, como vítimas do religioso na Delegacia de Defesa da Mulher não estavam na denúncia inicial do caso — que contava com cinco denunciantes e levou à abertura de inquéritos nos municípios de Araras, Limeira e Americana. Elas afirmam ter se encorajado a depor depois de as primeiras denúncias tornarem-se públicas.

A reportagem já havia entrevistado ex-coroinhas na semana passada. Eles confirmaram à polícia os depoimentos feitos ao GLOBO. Três deles pediram para não ser identificados. Um afirmou que chegou a ter relações sexuais com o padre na casa paroquial, onde o religioso morava em 2002, quando atuava na paróquia São Francisco de Assis.

Um rapaz contou que o religioso teria deslizado a mão até seu seu pênis após trocar a marcha do carro durante uma carona da casa paroquial até uma comunidade rural, onde teria ido com o padre Leandro celebrar uma missa.

A funcionária pública Stela Bezerra, transexual, disse ao GLOBO que foi assediada por ele em 2005, quando tinha 14 anos. Ela contou que, na época, além de ajudar o padre Leandro como coroinha, ainda participava do coro da paróquia. Segundo Stela, o assédio teria começado quando ela tinha o mesmo nome do padre, que fazia brincadeiras sobre a semelhança.

Stela afirmou, também, que o religioso fez ameaças contra seu irmão, que na época era seminarista, caso ela revelasse o ocorrido. Ela manteve o segredo até agora.

— Ele (padre Leandro) disse que, se eu fosse obediente, teria tudo dele — disse ela, contando que o padre a assediava na sala dele, dentro da igreja.

Procurada, a defesa do padre não quis comentar os depoimentos das vítimas para não interferir nas investigações. Responsável pela defesa do religioso, o advogado Paulo Henrique de Moraes Sarmento sustenta que seu cliente é inocente.

Leia abaixo os quatro relatos feitos por ex-coroinhas ao GLOBO.

Relato de Stela Bezerra, funcionária pública e transsexual

Quando diz ter sido abusada entre 2005 e 2006, ela ainda se chamava Leandro. Em outubro do ano passado, obteve autorização para mudar de nome e de gênero.

“A minha família sempre frequentou a igreja São Francisco de Assis, onde o padre Leandro assumiu como pároco em 2002. Eu era muito envolvida nas atividades da igreja. Além de ser coroinha eu ainda cantava no coro da igreja. Na adolescência tive problemas de relacionamento com meu pai e buscava aconselhamento com o pároco.

Eu tinha um bom relacionamento com ele. Até que uma vez, quando estava com 14 anos, surgiu uma viagem pra Atibaia e o padre acabou pagando para mim. E depois disso começou a me agradar. E nesse mesmo dia me chamou na sala dele na igreja e fechou a porta. Ele disse que porque éramos xarás, já que ambos nos chamávamos Leandro, éramos ‘imagem e semelhança de Deus’. E justificou que por isso tínhamos que ser afetuosos. Enquanto falava comigo, ele fazia carinho no meu rosto, alisava meu corpo. E não parou nisso.  Desceu as mãos e apalpou minhas coxas.

Foi a primeira vez que me tocou. Fiquei paralisada, ainda não sabia como lidar com a sexualidade. Após alguns dias desse primeiro toque, ele (padre Leandro) me chamou em sua sala de novo para falar a respeito de vocação. Disse que eu não deveria seguir os passos do meu irmão, que era seminarista e que o padre considerava rebelde. Falou que se eu fosse obediente teria tudo dele. Ele então ficou na minha frente quando eu estava sentada numa cadeira. E olhando nos meus olhos segurou o meu pênis. Ele chegou ao ponto de salivar. Chegou a babar no canto da boca. Fiquei sem reação, em choque, até que alguém bateu a porta.

Em uma outra vez eu cheguei mais cedo na missa e ele me chamou na sala dele. Abaixou então as minhas calças. E eu reagi e o empurrei. Ele não gostou. Disse que poderia prejudicar meu irmão no seminário. Subi minha calça. E prometi que não faria, nem contaria nada”.

Relato de ex-seminarista e hoje estudante

“Aos 10 anos de idade eu e meus familiares frequentávamos a igreja comunidade Nossa Senhora das Graças, bem próxima de onde eu morava na época. O padre Leandro ia lá uma vez por semana celebrar missa, já que era o pároco da igreja São Francisco de Assis, que fica a uns dois quilômetros de distância de onde eu residia. Como eu participava de todas atividades da igreja, o padre acabou percebendo e me chamou para ser coroinha na paróquia dele. Eu achava longe, mas ele disse que poderia me levar e buscar. Aceitei.

Eu ainda era muito novo, mas eu percebia um negócio diferente. Quando acabava a missa, vários meninos iam na casa dele. E eu não. Porque eu percebia que ele me olhava com desejo. Ficava retraído. Sempre que falava comigo ficava acariciando meus rosto e meus braços. Em 2008, quando já estava mais crescido aos 15 anos, o padre Leandro quis colocar a batina de acólito em mim, o que não tinha o costume de fazer.

Naquele dia, enquanto me ajudava a colocar a túnica, começou a deslizar muito as mãos pelo meu corpo: alisou minhas costas, cintura e as coxas. Eu fiquei travado, muito assustado. Ele gostava que a gente colocasse as vestes nele, mas eu nunca colocava. Ficava travado. Eu era uma criança muito quieta, retraída.

Outras vezes, me acariciava quando me dava carona no carro. Ao trocar a marcha, encostava na minha coxa quando eu estava no banco do carona. Como ele percebeu que eu relutava, passou a me excluir de tudo. Não me levava para passear como com os outros garotos. Ia todo mundo para casa paroquial comer pizza, eles iam para viagens também e ganhavam presentes, como sapatos e roupas. O padre chegava a pegar um ônibus que a prefeitura cedia e levava os coroinhas ao parque Hopi Hari. Eu nunca fui.

Eu resistia, mas ficava numa luta interna porque também queria ter aquelas regalias. E então, quando cheguei ao seminário, vieram um monte de padres me cantar. Alguns ligavam e chamavam para eu fazer alguma celebração para eles. No começo eu relutava, mas como  passava necessidade eu vi que precisava fazer aquilo para me manter. Eu não queria voltar para pobreza. Então, eu fui com o primeiro padre que ligou. Ele me levou para fazer uma celebração. Depois comemos pizza e começamos a beber cerveja. Aí chegou à casa paroquial e começou com umas conversas. Ele começou a me passar a mão. E eu tive que deixar.

Não queria voltar para pobreza e passava necessidade. A primeira vez que me relacionei com um desses padres cheguei em casa com tanto nojo que vomitei. Fiquei muito mal. Só melhores uma vez eu me abri com uma psicóloga do seminário. Disse que não estava bem. E ela me aconselhou a sair. Assim foi feito.”

Relato de um professor

“Comecei meu trabalho como coroinha na paróquia de São Francisco de Assis aos 10 anos de idade. A minha vida se passava toda na igreja. Assistia os padres em seis a sete missas por semana. Tínhamos relação de pai e filho. A minha mãe tinha orgulho de me ver na paróquia. Num bairro pobre, ver o filho ir bem na igreja era algo bem visto pelos pais.

A carreira de padre era uma opção real de futuro, de emprego. Em 2002, quando o padre Leandro chegou na paróquia São Francisco de Assis uma das minhas funções era acompanhar o padre em missas em locais pobres na zona rural da cidade. Uma vez ao acompanhar o padre até um desses locais, ele me assediou.

Durante a ida, ele conversava e e deixava a mãe escapar e encostar na minha coxa quando trocava a marcha. Pensei que não tinha problema, inicialmente.  Achei que fosse uma forma de amizade. Quando retornamos da missa, porém, o padre fez novas investidas: alisou a minha coxa até apertar o meu pênis. Ao fazer isso ainda fez um convite para que eu fosse dormir na casa paroquial. E o reprendi e pedi que não fizesse mais aquilo. Não comentei o caso com ninguém.

Alguns dias depois disso, o padre disse que não precisava mais da minha ajuda nas missas. Começou a me afastar das atividades da igreja. Até que pouco tempo depois me expulsou da igreja, o que me fez sofrer muito. Num bairro pobre como José Ometto, a igreja era uma espécie de centro cultural. 

Decidi ficar em silêncio. Não pude contar a minha mãe porque ela tinha sérios problemas de saúde. Era cardíaca. Também não revelei ao meu pai porque sentia medo que sua reação fosse violenta. Me senti humilhado. Tive depressão e ataques de pânico. Fiz tratamento com psiquiatra e cheguei a tomar rivotril e diasepan para dormir. Só tive coragem de falar agora depois que soube de vários casos de abusos cometido pelo padre. Hoje, não frequento mais a igreja.”

Relato de um vendedor

“O meu primeiro contato com o padre Leandro foi na casa paroquial em 2002, quando ele estava de mudança e ainda chegava a Araras. Quando ele me olhou a primeira vez perguntou quem era eu e me olhou diferente. Parece que ele já tem um perfil de quem eles vão abordar. Já chegam reconhecendo território.

Numa ocasião, ele convidou eu e mais três meninos para irmos buscar doações para igreja em outro município. Ele me chamou para sentar no banco do carona, à frente. Acho que ele já percebia que pelo fato de eu ser gay e mais retraído podia representar uma chance maior pra ele. Eu fui. De vez em quando no meio do caminho, o padre levava a mão no câmbio e esbarrava na perna. Foi assim toda a viagem. Até que na volta, ele deu uma investida maior: correu a mão e deu uma apalpada. Eu não consenti. Mas não conseguia falar.

Tempos depois, a gente rezava a missa numa das comunidades. E a gente tinha hábito do padre anterior de dormir na casa paroquial. Mas ele não fazia nada. Nos tratava como pai. Eu ajudava na limpeza da casa, lavava o quintal e até o carro do padre. Então ele me convidou para dormir na casa paroquial, já que sairíamos muito cedo no dia seguinte. Ao chegar lá, porém, não havia ninguém. Os outros meninos não estavam. Ele então me ofereceu uma bebida com álcool. Eu era um retraído sexualmente, não bebia. Mas acabei tomando uma taça de vinho.

Parou na minha frente e começou a perguntar se eu tinha namorada. E eu percebi que ele ficou com o pênis ereto. Ele então fez sexo oral em mim. Depois disso, me senti enojado, muito constrangido. Ao perceber isso, o padre Leandro me deu algo como R$ 300 num envelope pardo. O dinheiro era uma espécie de um cala boca. Eu era um menino pobre. Peguei aquele dinheiro e nunca mais voltei.”

Vaticano envia bispo para investigar corrupção

Também na segunda-feira, o Vaticano enviou à Diocese de Limeira um bispo  — dom João Inácio Müller —para investigar suspeitas de corrupção, após O GLOBO revelar, no último sábado, depoimentos à polícia que atestam denúncias contra o responsável da diocese, dom Vilson Dias de Oliveira.

Dom Vilson não é apenas acusado de corrupção — ele teria extorquido padres da região —, mas também é acusado de acobertar os casos de abuso sexual cometidos por padre Pedro Leandro Ricardo, que tambem é da Diocese de Limeira. O padre foi afastado da função eclesiástica de reitor da basílica de Americana no último dia 26 de janeiro, após os casos tornarem-se públicos, em janeiro. O padre nega as acusações.

O escândalo de corrupção se tornou público na esteira de uma investigação justamente sobre suspeitas de crimes sexuais.

Dom João Inácio Müller foi escolhido pelo representante do Papa Francisco no Brasil, o núncio apostólico dom Giovanni d’Aniello. Ele tem a missão de investigar especificamente as supeitas de corrupção.

Em seu primeiro dia de trabalho de “visitador apostólico”, nome da Igreja para quem realiza esse tipo de investigação, ele ouviu cerca de 15 padres. A diocese conta com cerca de cem paróquias. Foi aberto um processo canônico sigiloso, investigação interna da Igreja Católica para apurar a veracidade das acusações.

Zelo pela imagem da Igreja

No último sábado, O GLOBO revelou uma denúncia feita pelo padre emérito Ângelo Francisco Rossi. Segundo ele, dom Vilson Dias de Oliveira lhe pediu R$ 50 mil para comprar armários para sua própria casa em Guaíra, cidade natal do religioso, no norte de SP.

A reportagem conversou com alguns desses padres antes da reunião. Eles demonstraram preocupação com a imagem da Igreja, mas se limitaram a dizer que é preciso investigar. Após o encontro com o bispo, os religiosos procurados pelo GLOBO preferiram não se manifestar, devido ao juramento de sigilo, mas indicaram que dom João Inácio, bispo da Diocese de Lorena, não emitiu opinião em seus questionamentos.

A defesa de dom Vilson informou que ele não vai comentar as acusações até a conclusão do inquérito. Em nota divulgada ontem, a Diocese de Limeira disse que também não irá se manifestar.

Nos bastidores, a situação do bispo tornou-se delicada no clero. Nos últimos dias, ele tem pedido apoio na Igreja, orações aos fiéis, e atribuído as acusações ao que chama de “bandidos”. A comunidade segue dividida sobre dom Vilson.

Dom João Inácio Müller atuará como uma espécie de delegado da Igreja, como se fosse um inquérito de investigação, que, após ser concluído, será encaminhado ao núncio dom Giovanni. Este, por sua vez, deve agir como promotor e verificar se há consistência nas acusações, que podem ser enviadas ao Vaticano, de modo que o Papa ou a congregação dos bispos possa julgar o caso.

FONTE: O GLOBO

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