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Caso Neymar reacende discussão sobre violência sexual entre casais

‘O consentimento pode ser retirado a qualquer momento’, diz advogada especializada em direitos das mulheres

O caso envolvendo o jogador Neymar, acusado por uma mulher de tê-la estuprado — e também investigado por divulgar mensagens e fotos privadas dela, como forma de defesa — gerou diversos debates e até críticas nas redes.

A discussão sobre o que pode, segundo a legislação, ser considerado estupro trouxe dúvidas. A validade de borrar o rosto da mulher ao divulgar imagens íntimas também suscitou questionamentos sobre sua legalidade.

Diante disso, jornal ‘O Globo’ ouviu uma advogada especializada em direitos das mulheres que lida com essa questão recorrentemente. Ana Paula Braga enfatiza que com relação a casos de violência sexual, a palavra-chave é “consentimento”. E que os limites disso, muitas vezes, não são compreendidos quando a vítima já demonstrou interesse ou até já se envolveu com o agressor anteriormente.

— Duas pessoas podem iniciar qualquer tipo de relação, mas, a partir do momento em que se coloca um “não” e isso é violado, uma das pessoas força a relação, já estamos falando de estupro ou importunação sexual — pontua a advogada especializada em direitos das mulheres. — O consentimento pode ser retirado a qualquer momento. A partir do não, é considerado violência. Confira abaixo os principais pontos da entrevista sobre o assunto, segundo a advogada:

‘A palavra-chave é consentimento’
Para a lei (especificada  no Artigo 213 do Código Penal), é considerado estupro sempre que se constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter “conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Não precisa ter penetração, é sempre que esse ato acontece contra a vontade da vítima.

No ano passado houve a tipificação de um crime bem parecido com estupro, o de importunação sexual: nele também basta não ter consentimento. Então, a palavra chave em qualquer ato de violência sexual é consentimento. Na lei de importunação se fala em anuência, que é um sinônimo. Na do estupro, fala-se em constranger pela violência ou ameaça. No fim das contas, se está constrangindo, a vítima não está com a sua vontade respeitada.

‘O que vale é o momento do ato’
Duas pessoas podem iniciar qualquer tipo de relação, mas, a partir do momento em que se coloca um “não”, e isso é violado, uma das pessoas força, já estamos falando de estupro ou importunação sexual. No caso dela, ela fala que ele estava agressivo, então é realmente caracterização do estupro. É muito comum o julgamento de que a vítima foi espontaneamente encontrar-se com o homem, e que seria assim até o fim. Mas o consentimento pode ser retirado a qualquer momento. A partir do não, é considerado violência.

O fato de já ter havido uma relação anterior também não significa que ela queira de novo. O que sempre vale é o consentimento naquele momento —  não interessa se ela manifestou vontade antes e, na outra hora, ela não quis mais. Isso tem que ser respeitado.

‘Divulgação de imagens’
No ano passado, junto com o crime de importunação sexual, foi criada a lei de “divulgação de cena de estupro ou cena de sexo e pornografia”. Sempre que houver a divulgação de uma cena de nudez, seja por vídeo ou foto, isso é considerado crime. Borrar o rosto da vítima em um contexto em que todo mundo já sabe quem ela é e do que se trata não alivia a pena de quem divulgou as imagens. Há ainda aumento de pena quando o agente teve relação íntima e está divulgando o conteúdo com fim de vingança ou humilhação da vítima.

‘Embriaguez não é desculpa para o agressor’
Se a vítima estiver em situação de embriaguez, já falamos em estupro de vulnerável, uma situação em que ela não consegue reagir. Quando é o agressor que está embriagado, isso não gera exclusão de pena. Embriaguez, ou qualquer outro uso de drogas, não retira culpabilidade. Muitos dos crimes, inclusive, são cometidos dentro desse contexto. Então, a lei não pode admitir que se use como desculpa.

O fato de o agressor ser poderoso, famoso, dá uma nuance específica ao caso. O que acaba pesando mais, diante da sociedade, é que a mulher poderia estar fazendo a denúncia com um propósito escuso. Isso reforça a ideia machista de que a mulher está mentindo, que é uma interesseira, em vez de partir do pressuposto de que ela está falando a verdade. Os crimes de violência sexual são extremamente subnotificados. As vítimas têm medo do julgamento, vergonha… E, quando a outra parte é famosa, poderosa, torna as coisas ainda mais complicadas.

‘Maioria dos casos se dá quando há uma relação’
Eu tenho muitos casos em que a violência ocorreu nesse momento a partir do “não”. É importante trabalhar isso: o estupro não acontece só quando se está em um beco escuro e se é forçada por um homem com uma arma na mão. A maioria se dá quando há uma relação com alguém que já conhece ou com pessoas próximas em que há uma relação de confiança.

Em tese, tratando de processo criminal, a palavra da vítima tem que ter relevância. Muitas mulheres deixam de denunciar por falta de provas, como testemunhas, o exame de corpo de delito quase nunca dá positivo… Por essas questões damos relevância à palavra da vítima. E aí avalia-se se o depoimento dela ao longo do processo é coerente, tenta se reforçar o depoimento com relatos de amigas, laudo psicológico. O risco é que, no direito penal, se não tem elemento suficiente, abstém-se o réu.

FONTE: Agência O Globo

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