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Campanha eleitoral pode afetar saúde dos candidatos

Eleições: médicos mostram como campanha política pode reduzir até 2 anos de vida dos candidatos

Concorrer a um cargo público, em especial aos que estão em disputa esse ano, é provavelmente uma das atividades mais estressantes em que uma pessoa pode se envolver. O sono, a alimentação e os momentos de lazer ficam prejudicados por meses. O ambiente da campanha eleitoral é agitado e turbulento. Nenhum dia é igual ao outro, obstáculos podem vir de qualquer direção e não há tempo para pausas nem espaço para erros. É de se esperar que esse ritmo traga consequências para a saúde das pessoas envolvidas nessa atividade. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que, de fato, essa é uma escolha muito radical e onerosa para a saúde física e mental.

O psiquiatra Rodrigo Martins Leite, coordenador do Programa de Psiquiatria Social e Cultural (Prosol) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (IPq), alerta que muitas pessoas tendem a pensar nas consequências do estresse para a saúde mental. Mas um estado de estresse contínuo, como o vivenciado pelos candidatos nesse período de campanha, afeta o organismo como um todo, levando a alterações cardiovasculares, metabólicas, gastrointestinais, imunológicas, dermatológicas, entre outras. A ausência de uma alimentação equilibrada, da prática de exercícios e uma alimentação ruim ajudam a impulsionar esse processo.

— O nível de pressão, de estresse e privação de sono enfrentado pelos candidatos é muito deletério para a saúde física e mental — afirma Leite.

Para Ashley Weinberg, professor sênior de psicologia na Universidade Salford, no Reino Unido, e autor de livros sobre o bem-estar no trabalho e o funcionamento dos políticos nacionais, o “inesperado”, como uma grande mudança repentina na opinião pública ou um evento que está além do controle dos candidatos, é o que pode transformar a intensa pressão desse período em algo suscetível de afetar a saúde física e mental dos candidatos. Outro ponto que crítico são críticas excessivamente pessoais.

— Minha pesquisa descobriu que onde os políticos sentiam que tinham baixos níveis de controle sobre os eventos, eles eram mais propensos a experimentar um impacto negativo em sua saúde mental — diz Weinberg.

Essas consequências podem ser de curto, médio e longo prazo.

Saúde cardiovascular

O estresse é uma reação física, mental e emocional do corpo a mudanças no ambiente. Um episódio de estresse agudo, como ficar preso no trânsito, causa um aumento na frequência cardíaca, da pressão arterial e da intensidade da contração do músculo cardíaco, além de liberação de hormônios como adrenalina, noradrenalina e cortisol. Isso é conhecido como a resposta de luta ou fuga. Uma vez que o episódio passou, o corpo retorna ao seu estado normal.

Entretanto, quando a pessoa entra em um estado de estresse crônico, essas alterações persistem e isso aumenta o risco de problemas de longo prazo no coração e nos vasos sanguíneos.

— O estresse promove o aumento de diversas substâncias, como adrenalina, circulando no sangue, que podem aumentar a pressão arterial, a frequência cardíaca, promover aterosclerose e prejudicar o coração — alerta o cardiologista Marcelo Franken, diretor da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e gerente do programa de cardiologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Estudos mostram que o estresse prolongado pode contribuir para a inflamação no sistema circulatório, particularmente nas artérias coronárias, e dos níveis de colesterol. Além disso, nessa rotina, ou melhor, nessa falta de rotina, é difícil controlar os fatores de risco para doença cardiovascular, como manter a alimentação equilibrada, o sono em dia, a prática regular de atividade física e o controle de doenças mentais, como depressão e ansiedade.

— A privação ou a má qualidade de sono é considerada um fator de risco cardiovascular muito importante. O excesso de sódio atrapalha no controle da pressão arterial. O excesso de gordura, no controle do colesterol e triglicérides e o excesso de carboidrato, no controle da glicemia e também dos triglicérides — explica Franken.

Basta lembrar da famosa cena, repetida à exaustão por todos os candidatos, do pastel na feira e do cafézinho nos comícios, caminhadas e eventos durante a campanha eleitoral. O cardiologista ressalta que o pastel ocasional não faz mal, mas o recorrente, sim.

Tudo isso aumenta o risco de infarto, acidente vascular cerebral e arritmia. Também pode haver aumento do risco de trombose na perna, devido a viagens muito longas.

Imunidade

O estresse libera cortisol, o hormônio do estresse. Pontualmente, esse aumento do cortisol pode aumentar a imunidade, limitando a inflamação. Por outro lado, altos níveis constantes desse hormônio podem dificultar a resposta anti-inflamatória do corpo e causar infecções contínuas, de acordo com estudos recentes de pesquisa em imunologia.

O estresse também diminui os linfócitos, os glóbulos brancos que ajudam a combater a infecção. Quanto menor o nível de linfócitos, maior o risco de vírus, incluindo o resfriado e o herpes labial.

— Existe uma disfunção importante do sistema imune associada a essa cascata de alterações orgânicas que o estresse gera, expondo as pessoas a infecções e até mesmo a uma desregulação da imunidade, o que pode aumentar o risco de fenômenos autoimunes — pontua Leite.

A inflamação crônica promovida pelo estresse pode contribuir para o desenvolvimento e progressão de muitas doenças do sistema imunológico, como artrite, fibromialgia, lúpus, psoríase e doença inflamatória intestinal. A falta de sono e a alimentação inadequada também contribuem para a queda das defesas naturais, intensificando ainda mais esse impacto na imunidade.

Síndrome metabólica

Diante de situação desafiadora, ameaçadora ou incontrolável, o cérebro inicia uma cascata de eventos envolvendo o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, que é o principal impulsionador da resposta ao estresse endócrino. Isso acaba resultando em um aumento na produção de glicocorticóides, que incluem o cortisol.

Esses hormônios são importantes para regular o sistema imunológico e reduzir a inflamação. Mas, de forma crônica, o estresse pode prejudicar a comunicação entre o sistema imunológico e o eixo HPA, o que está associado ao desenvolvimento de problemas como fadiga crônica e doenças metabólicas.

O cortisol eleva os níveis de glicose no sangue e mobiliza ácidos graxos do fígado para ajudar o corpo a se preparar para a resposta ao perigo. No entanto, a persistência dessa reação aumenta a resistência à insulina e predispõe ao diabetes, obesidade, problema de colesterol e aceleração do processo de ateroclerose.

O endocrinologista Paulo Miranda, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), também alerta para a possibilidade de descompensação e piora no controle de doenças existentes.

— O diabetes, por exemplo, exige atenção na alimentação, prática de atividade física e uso regular da medicação. Se a rotina não envolver uma manutenção desse processo do tratamento, pode levar a uma descompensação da doença — conclui.

Músculos

Com o estresse de início súbito, os músculos ficam tensos de uma só vez. Quando o estresse passa, essa tensão é liberada. Por outro lado, se esse estado não passar, os músculos do corpo ficam em um estado de constante de vigilância. Isso pode ocasionar desde cefaleia tensional e enxaqueca até condições dolorosas crônicas secundárias a distúrbios musculoesqueléticos.

Saúde gastrointestinal

O intestino tem centenas de milhões de neurônios que podem funcionar de forma bastante independente e estão em constante comunicação com o cérebro. O estresse pode afetar essa comunicação e desencadear dor, inchaço e outros desconfortos intestinais. Além disso, o intestino tem uma barreira para proteger o corpo da maioria das bactérias relacionadas com os alimentos. O estresse pode tornar a barreira intestinal mais fraca e permitir que as bactérias intestinais entrem no corpo.

O estresse também gera alterações no estômago, como azia, refluxo, indigestão e esofagite. Um caso raro de espasmos no esôfago pode ser desencadeado por estresse intenso e pode ser facilmente confundido com um ataque cardíaco.

Saúde mental

O impacto na saúde mental talvez seja o efeito mais óbvio do estresse crônico. Segundo o Leita, psiquiatra do IPq, a condição é um gatilho para todos os transtornos mentais. Mas, no caso de políticos em campanha, o principal efeito do estresse seria o aumento risco de burnout. O problema é definido como o sofrimento social ou psíquico tem relação direta com a atividade profissional.

— O burnout é um horizonte bastante próximo para os candidatos devido a essa carga absolutamente extraordinária de estresse, pressão, preocupações, funções e agenda — avalia o médico.

Há também aumento do risco de transtornos relacionados à ansiedade, como crises de pânico, e à depressão, devido ao descuido com a própria saúde e à privação do sono.

— O sono é fundamental para o bem-estar físico e emocional. A privação do sono predispõe a alterações do humor e da função cerebral — complementa a neurologista Márcia Assis, vice-presidente da Associação Brasileira de Sono (ABS).

Voz

O principal instrumento de trabalho de um político é a voz. No entanto, no período de campanha eleitoral, esse instrumento não só se torna ainda mais imprescindível, como ele é usado à exaustão.

A fonoaudióloga Monica Bretas, coordenadora da Fonoaudiologia do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, explica que as cordas vocais são músculo e membrana. O esforço demandado por uma campanha eleitoral, sem condicionamento, sobrecarrega esse músculo, o que dá origem a todos os problemas citados anteriormente.

— É como se uma pessoa que faz uma caminhada e ocasionalmente corre 5km de repente precisasse correr uma maratona, sem um preparo específico. Há aumento do risco de lesão e desgaste muscular — explica Bretas.

O processo de produção da voz envolve a saída do ar do pulmão, a passagem pelas cordas vocais, que causa sua vibração, e, enfim, a articulação do som pela boca. Em condições normais, as cordas vocais vibram em um padrão de duas ondas leves, uma tocando a outra.

Quando a pessoa precisa falar mais alto ou gritar, a vibração da corda vocal é feita com mais esforço e as membranas batem mais forte uma com a outra. Isso gera edema e inflamação. Se a membrana está inchada, seu padrão de vibração fica alterado porque ela está mais pesada. O esforço também gera sobrecarga no músculo do pescoço. Sem um preparo anterior, em pouco tempo de esforço contínuo a conta chega em forma de rouquidão, ruido ou quebras, a voz começa a desafinar, dissono e, até mesmo, a perda completa da voz por um período.

A falta de sono e a alimentação inadequada também prejudicam a voz. Se não houver cuidado, pode haver consequências de longo prazo, como calos e outras lesões nas pregas vocais.

Condições dermatológicas

Segundo o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, doenças dermatológicas também têm uma relação muito grande com o estresse. Estudos mostram que o estresse agudo e crônico pode exercer efeitos negativos no bem-estar geral da pele, além de exacerbar condições já existentes, incluindo psoríase, eczema, acne e queda de cabelo.

A explicação para isso está na produção de fatores pró-inflamatórios locais e de catecolaminas. Essas substâncias fundamentais na resposta de luta ou fuga podem direcionar células imunes da corrente sanguínea para a pele ou estimular células pró-inflamatórias da pele. Os mastócitos, por exemplo, são um tipo chave de células pró-inflamatórias da pele; eles respondem ao cortisol e contribuem diretamente para uma série de condições da pele, incluindo coceira.

O estresse também pode romper a barreira epidérmica, a camada superior da pele, e prolongar seu reparo. Isso pode levar a irritação local e a condições crônicas, incluindo eczema, psoríase ou feridas.

O aumento dos níveis de hormônios do estresse também não são exatamente os aliados de uma aparência jovial. A contração dos vasos sanguíneos reduz o fluxo de oxigênio e nutrientes para a pele que fabrica colágeno, proteína que dá sustentação à pele. O corpo também inicia um processo de produção de radicais livre. Quando eles livres atingem o DNA, pode levar ao câncer de pele. Quando o alvo são a elastina e o colágeno, o resultado são linhas finas, rugas e flacidez.

O cabelo também sofre os efeitos negativos do estresse. O eflúvio telógeno, um tipo de perda capilar difusa, pode ser desencadeado pelo estresse. Estudos em animais também mostraram que o estresse literalmente contribui para os cabelos brancos, por meio da estimulação da norepinefrina, uma catecolamina que esgota as células-tronco produtoras de pigmentos dentro do folículo piloso.

Expectativa de vida

Não há evidências que avaliem o impacto da campanha eleitoral, especificamente, na expectativa de vida. Entretanto, diversas evidências mostram o impacto negativo do estresse na longevidade.

Um estudo feito pelo Instituto Finlandês de Saúde e Bem-Estar concluiu que o estresse excessivo reduziu a expectativa de homens em 2,8 anos e, de mulheres, em 2,3 anos.

Outro trabalho, feito pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, mostrou que o estresse acelera o envelhecimento e diminui a longevidade. Isso porque, segundo a pesquisa, o estresse prolongado pode aumentar, o risco de doenças cardíacas, dependência química e doenças psiquiátricas como transtornos de humor e transtorno de estresse pós-traumático.

FONTE: EXTRA

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