Projeto que altera o Cadastro Positivo prevê que bancos informem histórico de pagamentos de contas de todos os brasileiros para birôs de crédito
A Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (17) o projeto de lei que libera automaticamente o histórico de pagamento de contas e empréstimos de todos os consumidores brasileiros para um grupo de empresas formarem o chamado “Cadastro Positivo”. O objetivo é auxiliar na concessão de empréstimos mais baratos a quem paga as contas em dia, incentivando o mercado a baixar os juros aos “bons” pagadores. Atualmente esses dados só são informados com prévia autorização do consumidor, mas, se a nova lei passar, o cadastro será criado de forma automática.
O Cadastro Positivo é um banco de dados com o histórico de pagamentos dos consumidores, principalmente com relação à pontualidade dos débitos de contas. As informações são fornecidas por bancos e por empresas de serviços, como água, luz, gás, internet e telefone.
A iniciativa existe desde 2012, mas não pegou. Em seis anos, apenas 5 milhões de brasileiros autorizaram a inclusão de seus nomes no cadastro. Por isso, o governo federal costurou com aliados no Congresso a apresentação do atual projeto de lei com uma mudança substancial: em vez de os consumidores serem consultados previamente se querem ou não participar do banco de dados, eles serão informados, posteriormente, de que seus dados já foram repassados às empresas de avaliação de crédito. Todos aqueles que possuem CPF (Cadastro de Pessoa Física) serão automaticamente incluídos. A medida, se aprovada, atinge as informações bancárias de 120 milhões de pessoas.
O cadastro é administrado pelos birôs de crédito, como Serasa, SPC, Boa Vista e GIC. Essas empresas criam um cadastro próprio e uma pontuação personalizada para diferenciar “bons” e “maus” pagadores, beneficianos os primeiros com juros mais baixos.
De autoria do senador Dalírio Beber (PSDB-SC), o projeto de lei foi aprovado no Senado em outubro passado, mas foi alterado na Câmara pelo relator do projeto, deputado federal Walter Ihoshi (PSD-SP). Caso seja aprovado, o texto terá que voltar para nova votação dos senadores.
O debate sobre a nova lei ocorreu na última quarta-feira (11) e ficou centralizado na proteção dos dados pessoais e bancários dos consumidores.
“Todos os dados pessoais, bancários e financeiros serão expostos para serem compartilhados e comercializados, o que fere o princípio de privacidade. Os juros não vão cair”, criticou o deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), em relato da Agência Câmara Notícias.
Para Ihoshi, no entanto, as mudanças no Cadastro Positivo vão democratizar o acesso ao crédito. Ele garante os dados bancários não serão violados. “A empresa terá acesso apenas ao histórico de crédito, a dados financeiros sobre adimplência. A informações sobre itens de compra e consumo não deverão ser utilizadas”.
Como vai funcionar?
Segundo o projeto de lei, após criarem automaticamente o cadastro do consumidor, os birôs de crédito terão 30 dias para perguntar a ele se querem permanecer ou não no banco de dados.
“Todos os consumidores serão incluídos, mas aí os gestores terão 30 dias para consultar, “você quer ficar ou não?”, e o consumidor terá a palavra final. Se ele não responder é que ele concordou”, diz Ihoshi ao R7.
Recebidas as informações, cada birô vai dar sua própria nota ao consumidor. Essa pontuação poderá ser consultada — 60 dias após a criação do cadastro — por uma loja onde o consumidor quer abrir um crediário, por exemplo, ou na tomada de um empréstimo.
Ihoshi garante que as empresas que farão a consulta terão acesso somente ao “score” (nota) do consumidor, e não a seus dados íntimos de pagamento. O consumidor também poderá visualizar a sua pontuação, diz ele, e se quiser consultar detalhes do banco de dados, poderá fazer uma solicitação formal ao birô, que deve repassar a informação sem custos.
O deputado destaca também que a qualquer momento os cidadãos podem solicitar a retirada de seus nomes do Cadastro Positivo. Basta comunicar um dos birôs de crédito, por qualquer meio (telefone, e-mail, etc.), que o banco de dados será excluído de todas as empresas.
Vazamento e violação de dados
Desde que o Banco Central lançou em 2016 a proposta de criação automática do Cadastro Positivo (assumida pelo senador catarinense), o Ministério Público Federal e órgãos de defesa do consumidor acompanham a tramitação do projeto para garantir proteção às informações dos consumidores. O receio é com o uso que as empresas farão desses dados, além do crescente número de vazamento de informações sigilosas ao redor do mundo.
“Após contribuições dos órgãos de defesa do consumidor, o PL 212/16 [texto original] avançou significativamente nesse ponto. Agora, a proposta legislativa prevê que as instituições financeiras não terão acesso aos dados pessoais detalhados do consumidor, mas apenas à chamada Nota de Crédito”, diz o subprocurador-geral da República José Elaeres Teixeira, coordenador da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF.
Teixeira avalia que o Cadastro Positivo não conseguiu, em seis anos, ampliar a concorrência no setor de crédito e reduzir os juros ao consumidor, mas em razão da baixa adesão ao programa.
No entanto, para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a proposta atual carece de garantias aos consumidores, que ainda correm riscos de terem suas informações mal utilizadas pelas empresas, ou ficarem sem proteção em caso de vazamento de dados.
O advogado Rafael Zanatta, pesquisador em direito digital do Idec, critica a retirada da referência à “responsabilidade solidária” da Lei do Cadastro Positivo. Esse dispositivo permitia ao consumidor entrar com ação contra qualquer uma das instituições envolvidas, em caso de vazamento de dados, para que a responsabilização seja feita de forma compartilhada. Isso é ainda mais importante, diz ele, porque no Brasil não existe uma lei geral de proteção a dados pessoais.
— O projeto dá um passo grande, com compartilhamento de informações de 120 milhões de pessoas de bancos para os birôs, então é preciso ter cuidado e contrabalancear com uma série de direitos.
Na primeira proposta de Ihoshi, o deputado tinha excluído da lei o artigo que trata da “responsabilização solidária” (artigo 16). Já no texto que deve ser votado hoje, o artigo voltou com nova redação. A responsabilidade por eventuais danos aos consumidores deve respeitar o Código de Defesa do Consumidor — legislação de 1990 e, portanto, anterior à era da informação digital.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) sugeriu uma nova redação para o artigo 16, mantendo a responsabilidade compartilhada das empresas. Já o deputado André Figueiredo (PDT-CE) tentou incluir um inciso para “vedar qualquer forma de comercialização dos bancos de dados previstos nessa lei”, em razão da “falta de uma lei de proteção de dados pessoais” no Brasil. Todas as propostas de emenda, no entanto, foram rejeitadas por Ihoshi.
Segundo o advogado do Idec, o novo projeto não deixa claro que tipo de informação pode ou não ser usada para formação da nota de crédito. Zanatta diz que as empresas podem cruzar os dados de pagamentos com informações pessoais e de comportamento coletadas em redes sociais.
— Tem que ter regras sobre que tipo de informação você pode usar como informação relevante para a análise de crédito.
Já Ihoshi afirma que o projeto de lei proíbe o uso de informações não financeiras na avaliação de risco do consumidor.
— Cada banco de dados poderá somente utilizar na formação do seu score os seus dados financeiros. Não pode misturar informações, cruzar dados sobre preferências do consumidor, que estão fora do escopo dos dados financeiros.
FONTE: R7.COM
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