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Cadastro Único tem 6,6 milhões de famílias fora da linha de pobreza, diz estudo

De acordo com os pesquisadores, os números precisam ser investigados para garantir que os programas sociais alcancem o público-alvo

O Cadastro Único de benefícios sociais tem 6,6 milhões de famílias consideradas pobres que não estariam efetivamente numa situação de pobreza pelos critérios do Bolsa Família, aponta um estudo do Insper antecipado à Folha.

De acordo com os pesquisadores, os números precisam ser investigados para garantir que os programas sociais alcancem o público-alvo.

Os autores fizeram um cruzamento de informações do cadastro com a base da Pnad Contínua, pesquisa domiciliar do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que reúne dados sobre renda e emprego.

Na média, o número de famílias pobres no cadastro é 29% maior do que na Pnad Contínua. Em algumas localidades, como Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e entorno metropolitano de Cuiabá (MT), essa proporção é ainda mais elevada e passa dos 50%.

O critério de pobreza usado nas comparações é o mesmo do Bolsa Família, que contempla famílias com renda de até R$ 218 por pessoa.

Os pesquisadores frisam essa informação porque, embora a discrepância seja um importante sinalizador de possíveis falhas de focalização do programa, isso não significa que essas famílias não estejam expostas a alguma situação de vulnerabilidade. O próprio conceito de pobreza pode ser diferente dependendo de quem a define -o Banco Mundial, por exemplo, considera uma linha de até US$ 6,85 por dia (pouco mais de R$ 33 por dia, ou R$ 990 por mês).

A professora do Insper Laura Müller Machado, uma das autoras do estudo e colunista da Folha, diz que o ponto central é que as distorções apontadas no levantamento devem ser analisadas de forma mais profunda para garantir que os programas alcancem o estrato da população para o qual eles foram desenhados.

Também participaram do trabalho Ricardo Paes de Barros (referência na área e um dos formuladores técnicos do Bolsa Família) e Laura de Abreu, além da equipe da empresa de pesquisa e análise Oppen Social: Samuel Franco, Débora Leandro e Lígia Loss.

Os dados da Pnad Contínua fornecem um diagnóstico de onde estão as famílias mais vulneráveis no território brasileiro, com uma atualização mais frequente do que o Censo Demográfico (realizado a cada década). Por isso mesmo, as elevadas diferenças entre os números da pesquisa do IBGE e os do CadÚnico chamam a atenção.

O esperado seria encontrar uma discrepância menor, embora dificilmente igual a zero (por diferenças metodológicas e pelo dinamismo da renda das famílias).

Em 2017, o cadastro tinha 1,4 milhão de famílias em situação de pobreza a mais do que indicava a Pnad naquele ano. A diferença explodiu nos últimos anos e chegou a 8,9 milhões em 2022. Apesar da queda no ano passado, ainda assim o número é tido como elevado.

O estudo não chega a levantar hipóteses de por que as distorções são maiores em determinadas regiões. “Ele indica que precisa ser investigado com visita domiciliar”, afirma Machado.

O mapa das distorções foi apresentado ao MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), de onde veio a provocação para o estudo. Segundo Machado, o ministro Wellington Dias foi quem pediu apoio na análise de qualidade do cadastro, e o trabalho foi feito em diálogo com a pasta.

A secretária de Avaliação, Gestão da

Informação e Cadastro Único, Letícia Bartholo, diz à Folha que o estudo do Insper fornece pistas importantes sobre onde há problemas de focalização e onde há “vazios” de proteção social.
Segundo ela, o governo vai incorporar parte da metodologia desenvolvida pelo Insper, com alguns ajustes, em outros trabalhos que estão em curso com o objetivo de proporcionar uma melhoria estrutural no cadastro e na focalização  do Bolsa Família.

O estudo fez uma compatibilização inédita entre os dados da Pnad, que refletem os domicílios (às vezes, com mais de uma família), e do CadÚnico, que é um registro administrativo -inclusive de grupos que estão fora da amostra da Pnad por não terem domicílio fixo (como moradores de rua) ou viverem em terras indígenas.

Segundo Bartholo, o trabalho vai ajudar no refinamento das estimativas de elegibilidade ao programa em cada um dos 5.570 municípios brasileiros, que estão sendo feitas pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). São uma espécie de cota de atendimento, para indicar, com base na renda, quantas famílias e pessoas deveriam ser contempladas naquela localidade.

As últimas estimativas foram feitas em 2012 com base no Censo de 2010 e estão bastante defasadas. A atualização é importante porque municípios mais distantes da estimativa (ou seja, com indício de subcobertura do programa) são priorizados nas novas concessões quando há fila de espera.

A incorporação das populações fora do radar da Pnad será crucial para garantir números de referência ainda mais precisos.

“As estimativas ajudam a controlar a focalização do programa e tentam prevenir que em alguns lugares tenha muito mais pobres do que o esperado sem que exista uma explicação boa para isso. Pode ter um município que entra numa de cadastrar muita gente porque pode ser bom politicamente. Então tem esses limites”, explica o pesquisador do Ipea Rafael Osório, um dos participantes do estudo.

FONTE: JORNAL DE BRASÍLIA COM FOLHAPRESS

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