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Brasil tem mais de 10 mil casos de feminicídio pendentes na Justiça

Em 2016, o número de casos pendentes era de 5.173. Assassinato de mulheres é provocado por ameaças, violências psicológicas e físicas

O feminicídio ou o assassinato de uma mulher por ser mulher é, segundo especialistas, o ápice de um ciclo de violência que poderia ser evitado. Um levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostrou que existem 10.786 casos de feminicídio pendentes em todos os tribunais de justiça do País – casos que entraram no Judiciário, mas ainda não foram julgados.

Em 2016, o número de casos era de 5.173. “É um quadro alarmante e a mudança não virá apenas com a aplicação da lei”, afirma Silvia Chakian, promotora de Justiça de Violência Doméstica do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

De acordo com o estudo, ao longo de 2017, os tribunais estaduais movimentaram 13.825 casos de feminicídio. Desses 3.039 não cabem mais recursos e 10.789 processos ainda estão pendentes. O número de sentenças proferidas foi de 4.829. “A morte dessas mulheres ocorre em função da desigualdade de gênero e do machismo”, afirma Fabiana Dal’Mas, promotora do Ministério Público de São Paulo, Gevid Central. “São provocadas pelos companheiros, irmãos, familiares.”

Em março de 2017, o CNJ criou a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. “O objetivo é orientar todos os atores do sistema jurídico para melhorar esses índices, instituir políticas de prevenção, criar oficinas para abordar o feminicídio e fazer uma integração com a lei Maria da Penha”, afirma Andremara dos Santos, juíza auxiliar da presidência do Conselho.

O aumento revelado pelos números do estudo pode ser explicado, segundo Andremara, pelo trabalho de adaptação a que os tribunais estaduais foram submetidos. “Passou-se a exigir que os dados foram coletados especificamente. Esses números significam também o aumento da fiscalização diante da mudança na lei. Foi retirada a invisibilidade dos dados nos tribunais”, afirma a juíza.

caso da advogada paranaense Tatiane Spitzner, agredida e morta pelo marido Luis Felipe Manvailer, que se tornou réu pelos crimes de homicídio com quatro qualificadores (meio cruel, dificultar defesa da vítima, motivo torpe e feminicídio), jogou luz sobre casos que as vítimas perdem a vida em função de serem mulheres. “Os homens são vítimas de violência na esfera pública, enquanto que as mulheres são os alvos na esfera privada.”

Desde 2015, quando o feminicídio se tornou lei como qualificador de homicídio, a expressão “crime passional” passou a ser usada de forma incorreta. “Na verdade, é um sentimento de posse, de ódio pela mulher que começa a ocupar espaços onde não estavam antes. O feminicídio ocorre quando o poder público falha e a sociedade falha.” Para Fabiana, um conjunto de medidas poderia ser colocado em prática para evitar o feminicídio, como a educação de gênero e o aumento da participação das mulheres nas esferas de poder.

Rede de proteção

No Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, há 4.925 casos de feminicídio pendentes. No estado, foram proferidas 2.872 sentenças. Segundo a pesquisa, existem 743 casos de assassinatos de mulheres somente em 2017. “É comum, nesse tipo de crime, observar ataques ao rosto e as partes íntimas das vítimas para descaracterizar a mulher”, diz Fabiana.

No Paraná, por exemplo, a juíza Andremara explica que o Tribunal de Justiça realizou um trabalho em parceria com a Polícia Civil para alterar os boletins de ocorrência e enquadrar os crimes nas lei do Feminicídio e da Maria da Penha. “Isso resultou em um aumento de inquéritos policiais com esses qualificadores”, diz.

A explosão dos casos de feminicídio no País pode ser explicada por alguns fatores. Como a legislação é recente, os tribunais estaduais levaram passaram por um processo de adaptação até denominarem o assassinato de uma mulher como feminicídio. Além da Justiça, a própria sociedade vive um processo de maior entendimento sobre ataques e violência contra a mulher. “As vítimas precisam compreender que não é algo aceitável. As violências vem num crescente até se tornar um feminicídio.”

Depois da violência física e psicológica, segundo a promotora, vem uma fase de “lua de mel”, o que torna ainda mais difícil o rompimento do ciclo. Além disso, ainda há uma percepção de que os ataques dizem respeito somente ao casal. “É preciso meter a colher, acionar os órgãos de segurança”, diz a promotora. “A violência não afeta somente a filha, mas traz prejuízos aos filhos do casal, por exemplo, que costumam apresentar quadros de depressão.”

Aumento da violência

Em 2017, segundo os números levantados pelo CNJ, ingressaram nos Tribunais de Justiça do País 452.988 casos de violência doméstica contra a mulher. O número é 12% maior do que o verificado em 2016. Naquele ano, foram registrados 402.695 casos. O Tribunal de Justiça de São Paulo apresentou o maior volume, com 67.541 casos novos, seguidos pelos tribunais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro (ver arte).

A partir desse panorama, afirma Silvia Chakian, é possível exigir políticas públicas de prevenção e repressão adequadas. “O feminicídio é o fim de um processo contínuo de violência”, diz. “Qualquer ameaça pode se tornar um feminicídio. É preciso conscientizar as vítimas de que um tapa, uma humilhação ou um relacionamento abusivo podem levar ao feminicídio”, afirma Silvia.

É importante ainda, segundo ela, desmistificar o chamado “crime por amor”. “Não se admite essa noção equivocada que permite tratar esses crimes como passionais”, afirma. O caso da advogada Tatiane mostra, segundo a promotora, como a sociedade brasileira entende a violência contra a mulher como uma questão doméstica e não de Estado. “Como as pessoas escutam gritos e não fazem nada? Se alguém tivesse interferido, talvez não tivesse ocorrido esse desfecho trágico”, afirma Silvia.

FONTE: R7.COM

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Gomes Oliveira

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