O Governo Dilma II vai herdar o rombo pantagruélico no setor elétrico, causado em parte pela falta de chuvas e mais ainda pela mudança desastrosa na regulamentação do setor que o Governo Dilma I fez em janeiro de 2013.
A conta já está no correio.
Entre este ano e o próximo, o Governo vai repassar uma conta de 115 bilhões de reais para consumidores e contribuintes (essencialmente, a mesma pessoa). O número é da mesma ordem de grandeza do ajuste fiscal que a dupla Levy-Barbosa está preparando, e deve potencializar a sensação de grana curta no ano que vem.
“A necessidade de recompor os preços relativos (que foram distorcidos nos últimos anos) deve gerar uma redução muito forte da renda disponível para o consumo, uma pressão adicional ao ajuste fiscal,” diz o economista Felipe Salto. “Isso em última análise vai afetar o crescimento econômico.”
O primeiro contato do consumidor/contribuinte com a bomba elétrica virá em janeiro, quando entrará em vigor a chamada “bandeira tarifária” — o repasse ao consumidor do custo de despacho das térmicas. O sistema prevê três cores de bandeira, uma das quais virá na impressa na conta de luz: verde (geração de energia normal), amarela (geração menos favorável) e vermelha (nível mais custoso de geração). Se for amarela ou vermelha, “a bandeira é um sinal que diz: a energia que você está usando já está mais cara,” informa a asssessoria da Aneel.
A Aneel vai anunciar logo depois do Natal as bandeiras para cada um dos quatro submercados em que está dividido o Brasil. Se a bandeira for vermelha para o submercado da AES Eletropaulo, por exemplo, a conta de luz do consumidor subirá cerca de 10%. Na lata. (Hoje, o kilowatt-hora da Eletropaulo é de 28,117 centavos. A bandeira vermelha adiciona 3 centavos por kilowatt-hora.)
É grande a probabilidade das térmicas ficarem ligadas o ano todo, ou seja, pode haver 12 meses seguidos de bandeira vermelha.
Em 2014, as bandeiras tarifárias foram aplicadas apenas como teste, e estiveram vermelhas praticamente o ano todo. O período das chuvas começou agora em novembro, mas com um volume insuficiente para a recuperação dos reservatórios. Os técnicos esperam que as coisas melhorem em 2015, mas os modelos meteorológicos não apontam para nenhum cenário Arca de Noé — sobretudo para o sistema Sudeste/Centro-Oeste, que concentra cerca de 70% da capacidade de geração hidrelétrica do país.
A conta de 115 bilhões é a soma dos subsídios e custos do setor elétrico entre 2013 e 2015. O número inclui os repasses do Tesouro aos distribuidores para manter a redução “estrutural” nas tarifas de energia elétrica que o binômio Dilma-FIESP queriam, o empréstimo obtido junto a um conjunto de bancos e ao BNDES para cobrir o acionamento das térmicas, e a descontratação involuntária dos distribuidores.
A conta também inclui cerca de 16 bilhões reais incorridos pelas geradoras (entre janeiro de setembro deste ano, apenas) para comprar energia das térmicas e garantir o volume de abastecimento que as hidroelétricas tinham se comprometido a entregar mas não conseguiram cumprir.
“Existe um debate hoje entre as geradoras se elas devem entrar com uma ação contra o Governo buscando ressarcimento, porque uma coisa é o risco hidrológico, que é previsto em contrato, e outra coisa é o risco político, que foi o que o Governo fez ao não adotar programas de eficiência energética ou mesmo um racionamento, por razões políticas,” disse uma fonte do setor.
Nas distribuidoras de energia, apesar dos aumentos previstos pela adoção da bandeira tarifária, o clima não é de comemoração. As distribuidoras temem que aumentos consecutivos (e cavalares) na conta de luz empurrem muitos consumidores para a inadimplência, ou para os ‘gatos’. “Na maioria dos países, a energia tem elasticidade: se o preço sobe, você consome menos e se ajusta. No Brasil, muita gente deixa de pagar ou faz gatos,” disse uma fonte.
As distorções causadas pelo vai e vem do Governo no setor continuam — caso da decisão de reduzir o teto do preço da energia no mercado spot.
Imagine, por exemplo, um empresário que precisa de eletricidade para sua fábrica de panelas. Sabendo que os custos de energia continuarão a subir ano que vem, o seu Benjamin (vamos chamá-lo assim) foi ao mercado e comprou energia a 450 reais para travar seu custo, isto é, impedir que uma alta ainda maior no preço da energia afete sua margem. Seu Benjamin foi previdente, e lançou mão do óbvio: planejamento. (Parabéns, seu Benjamin!) Aí vem o Governo e baixa na marra o teto do preço, dos atuais R$ 822,83/MWh para R$ 388,48/MWh. Agora, seu Benjamin está no prejuízo, enquanto um concorrente que não se precaveu está no lucro. Em outras palavras: cavalos-de-pau regulatórios oneram quem planeja, e premiam quem não merece.
“O governo resolve só o problema mais premente… não pensa nada a médio e muito menos a longo prazo,” diz Adriano Pires, da consultoria Centro Brasileiro de Infra Estrutura. “Se são duas da tarde, ele fala ‘tenho que resolver o jantar’. Ele só vai pensar no almoço do dia seguinte na hora do café da manhã.”
Para Pires, as medidas anunciadas pelo governo são apenas soluções paliativas para ganhar tempo até que uma melhora do quadro hidrológico recomponha o nível dos reservatórios das hidrelétricas. “Essa espera só amplia os impactos das fragilidades geradas pela falta de planejamento de longo prazo. O racionamento está quase encomendado lá para maio ou junho, e a principal razão pode ser de ordem financeira, e não por razões hidrológicas.”
Cada dia fica mais claro que uma agenda microeconômica e regulatória vai ser tão importante quanto o ajuste macro para colocar a economia de volta ao caminho do qual ela nunca deveria ter se desviado.
Por Geraldo Samor
Fonte: VEJA
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