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Conversas revelam que presidente paraguaio manteve acordo de Itaipu secreto e mencionam pressão do Brasil

Segundo relatos, Itamaraty teria convocado embaixador para cobrar cumprimento de ata

Uma série de mensagens trocadas entre o presidente Mario Abdo Benítez ePedro Ferreira , então presidente daAnde , a estatal energética do Paraguai, publicadas na manhã desta terça-feira pelo jornal ABC Color , revelam que Abdo tinha conhecimento de que ata diplomática assinada em maio com o Brasil contrariava os interesses de Assunção na compra de energia da hidrelétrica binacional de Itaipu . Abdo Benítez teria pressionado o titular da Ande para endossar o acordo, e pedido que ele fosse mantido em segredo, de acordo com reproduções das mensagens.

Segundo os relatos, em junho o governo brasileiro exerceu pressão para que os termos fossem cumpridos, convocando o embaixador paraguaio ao Itamaraty para entregar-lhe um “aide-mémoire”, que mostrava o “mal-estar do governo brasileiro” com o fato de o Paraguai “não cumprir os compromissos assumidos na ata de 24 de maio”. Procurado, o Itamaraty disse que não comentaria a reportagem.

Pela ata —   cancelada por Assunção em 1º de agosto, depois que Abdo passou a sofrer ameaça de impeachment — , o governo paraguaio passaria a declarar gradualmente, até 2022, uma contratação maior da energia dita “garantida” de Itaipu, mais cara, deixando de contar com a chamada “energia excedente”, bem mais barata.De acordo com técnicos paraguaios, os gastos do país aumentariam em ao menos US$ 200 milhões anuais.

As mensagens publicadas pelo ABC Color, que vão de março a julho, mostram como o presidente paraguaio teria pressa para fechar um acordo, fundamental para “movimentar a economia” de seu país e ignorado as preocupações de Ferreira de que os termos fossem prejudiciais a Assunção. Um dos recados, datado de 23 de junho, dá a entender que Abdo estaria ciente das negociações com a empresa brasileira Léros para a compra de parte da energia que Itaipu não consome, supostamente realizadas sob a tutela do vice-presidente Hugo Velázquez .

Em entrevista ao ABC Color, Abdo Benítez negou ter sofrido pressões brasileiras para fechar o acordo, afirmando que as relações entre os dois países vão além de Itaipu. Segundo o presidente paraguaio, o Brasil tem demonstrado “muita predisposição” para resolver questões controversas entre os dois países. Ele, contudo, não negou a existência de “uma situação tensa” causada por desavenças entre a Ande e a Eletrobras.

O presidente paraguaio disse ainda não ter pedido uma explicação item a item da ata diplomática, confiando em seu chanceler, em seu embaixador no Brasil e na equipe técnica de Itaipu —  o  chanceler Luis Castiglioni e o embaixador Hugo Saguier renunciaram em 29 de julho, em meio ao escândalo causado pela divulgação, em 24 de julho, dos termos da ata de maio.

De acordo com Abdo,  o governo paraguaio fez uma opção para que as negociações fossem mantidas em segredo, já que torná-las públicas deixaria a situação ainda mais difícil.

Nesta terça-feira, a oposição paraguaia apresentou os pedidos de impeachment do presidente Abdo Benítez, do vice Velázquez e do ministro da Fazenda, Benigno López, por suposta traição à pátria. Pedro Ferreira, interlocutor de Abdo nas mensagens, pediu demissão em 24 de julho, denunciando os termos da ata, e foi responsável por detonar a crise política. Mas, após a publicação, o líder do Partido Liberal, Efraín Alegre, pediu a renúncia imediata do presidente .

‘Mal-estar do governo brasileiro’

No dia 20 de junho, Abdo encaminhou para Pedro Ferreira uma mensagem que o jornal paraguaio especula ter sido enviada pelo então embaixador em Brasília, Hugo Saguier, e que tratava diretamente das negociações.

No recado, que teria como destinatário José Alberto Alderete, diretor paraguaio de Itaipu, Saguier  diz que teria sido chamado para um encontro com o secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, mas acabou reunindo-se com a embaixadora Eugenia Barthelmess, diretora do Departamento de América do Sul.

Segundo Saguier, a Chancelaria brasileira lhe entregou um “aide-mémoire” — no jargão diplomático, uma mensagem informal —  que expressava o “mal-estar do governo brasileiro” com o fato de o Paraguai “não cumprir os compromissos assumidos na ata de 24 de maio”.

“Como é minha obrigação relatar imediatamente ao chanceler, meu chefe imediato, a seriedade da situação me preocupa profundamente. Como sabe, não posso quebrar a linha de comando, mas não consegui não comentar com o senhor, porque isso afetará não apenas Itaipu, mas todo o nosso relacionamento”, diz a mensagem de Saguier.

Uma troca de mensagens três dias depois dá a entender que Abdo estaria ciente da negociação com o grupo brasileiro Léros, que supostamente passaria a comprar energia da Ande. Ferreira diz ao presidente que ele deveria receber dois grupos brasileiros que comprariam a energia paraguaia e Abdo Benítez responde: “Aquele que conversamos com o vice-presidente e outro que Ullón está ciente?” Possivelmente ele se referia Julio Ullón, chefe do Gabinete Civil da Presidência do Paraguai.

Na semana passada, o advogado José Rodríguez González, que se apresentou como assessor de Velázquez, afirmou ter pedido a retirada de um ponto da ata que daria ao Paraguai o direito de vender parte de sua energia de Itaipu no mercado livre brasileiro, o que hoje é vetado. Com isso, segundo González, não haveria concorrência para o grupo brasileiro. Ao GLOBO, a Léros confirmou o interesse na compra de energia paraguaia, mas negou qualquer pedido de favoritismo.

Em entrevista concedida ao ABC Color nesta terça-feira, o presidente paraguaio negou ter conhecimento do envolvimento da Léros e das negociações supostamente realizadas sob a tutela de seu vice. Abdo disse ainda que nunca pediu a retirada do ponto que daria ao Paraguai o direito de vender livremente parte de sua energia de Itaipu, afirmando, pelo contrário, ter dado “luz verde” para a medida.

No início de julho, Ferreira continuou a reclamar das negociações, que, segundo ele, poderiam representar um prejuízo de US$ 341 milhões para a economia paraguaia, afirmando “não gostar de como algumas pessoas querem que a Ande assuma o que os outros assinaram, sem sequer nem participar”.

O presidente respondeu: “Temos que passar por essa crise e fazer com que a Itaipu financie o que a Ande precisa. Isso deve acontecer. E então nós vemos. Faça com sabedoria. Estamos em tempos difíceis. O Brasil congelou as relações conosco por não cumprir o que assinamos. Temos a construção das duas linhas [de transmissão de energia, financiadas pelo Brasil] em andamento. Há muito a fazer.”

Em seguida, Ferreira voltou a reclamar do acordo, afirmando que gostaria de mostrar ao presidente a análise da Ande, afirmando que “a prova de que o acordo é claramente inconveniente é que eles querem que sigamos em segredo”, questionando: “Por que aqueles que assinaram e viram as minutas não saem para defendê-lo publicamente? Quando isso explodir você, o chanceler e eu vamos ter que mostrar nossas caras. Ninguém mais vai explicar.”

Após Ferreira continuar a afirmar que não conseguiria explicar o aumento do pagamento pela energia de Itaipu, Abdo teria dito que o relacionamento entre Brasília e Assunção não se resumia a Itaipu, o que levou o ex-presidente da Ande a responder que, apesar disso, a questão era muito sensível no Paraguai. O presidente, então, teria respondido: “Sim, mas o negociador é o chanceler, então a República trabalha, com o apoio de todos, não colocando pedras.”

‘Negocie minha cabeça’

Na madrugada de sexta-feira, 5 de julho, o presidente advertiu Ferreira que “o Paraguai não pode ter duas posições contra os brasileiros”, afirmando que irá receber uma instrução escrita sobre a aprovação da ata e as instruções para a Ande e diz:

“Espero que tudo corra bem e seja cumprido, ou o chanceler não terá autoridade alguma com o Brasil. É muito claro.”

Às 6:57 daquele dia, Ferreira vai mais longe do que em todos os dias anteriores e escreve: “Presidente, se for de alguma utilidade, negocie minha cabeça, não a Ande. Eu vou entender e até mesmo apoiar essa posição. Eu sei o quão difícil é a posição do presidente, mas não posso assinar algo contrário ao meu país, não conscientemente, e além de algo que acho que vai te machucar muito”.

FONTE: O GLOBO

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Marcio Martins martins

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