Pacote anticrime’ do ministro Sérgio Moro foi ‘pano de fundo’ de debate na FGV, no Rio. Pontos do projeto de lei considerados polêmicos foram debatidos por palestrantes.
Em média, para receber retorno para o cumprimento de uma diligência fora do Brasil, a Polícia Federal (PF) espera nove meses. A afirmação é do superintendente da PF no Rio de Janeiro, delegado Ricardo Saadi, que na quarta-feira (20) foi um dos palestrantes em evento na Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. A proposta do encontro era promover um debate sobre “reformas legislativas em matéria penal”.
O “pacote anticrime” proposto em 2 de fevereiro pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro foi “pano de fundo” para as apresentações. Trechos do projeto de lei considerados polêmicos foram abordados pela maioria dos oradores. Em especial, o artigo que trata da legítima defesa de agentes de segurança, que prevê a redução ou extinção da pena caso o “excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Atualmente, a tramitação da proposta na Câmara dos Deputados, em Brasília, é motivo de um embate entre o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Moro. O chefe da pasta e autor do projeto defende que o texto seja analisado em paralelo à reforma da previdência. Maia, no entanto, afirmou que a proposta será avaliada “no momento adequado”.
Em sua fala na FGV, Saadi ressaltou a possibilidade de que, se aprovado, o projeto garanta maior celeridade na cooperação jurídica internacional.
“Hoje, para nós [PF] recebermos uma diligência cumprida no exterior, a gente demora, em média, nove meses. Nove meses, hoje, não é um prazo aceitável na velocidade em que o crime é cometido, principalmente na questão de crimes cibernéticos”, reclamou o superintendente.
O delegado afirmou que a proposta prevê que haja a cooperação direta entre a polícia brasileira e a polícia de outro país, ou entre o Ministério Público do Brasil e o Ministério Público de outro país.
Para isso, disse ele, ainda seria necessário a homologação do acordo de cooperação por “autoridade central”. Saadi classificou como “gargalos” as dificuldades que a PF encontra para consegui a aprovação desses acordos. Um dos mais estreitos, disse, é a burocracia na tramitação dos requerimentos.
“A tramitação, hoje, por incrível que pareça, pra gente enviar um pedido de cooperação a outro país, esse pedido não pode ser enviado de forma digital, não pode ser digitalizado e encaminhado por e-mail ou por um sistema seguro. Isso vai no papel. Então, demora muito.”
Equipes conjuntas de investigação
Outro ponto do projeto defendido pelo delegado no evento – que ocorreu um dia antes da “Operação Descontaminação” , que prendeu o ex-presidente Michel Temer – é a previsão de criar equipes conjuntas de investigação com outros países.
O objetivo dessa medida, disse o superintendente, é que policiais e membros do MP trabalhem lado a lado com representantes equivalentes de outros estados. As equipes seriam “capitaneadas” por autoridade do país em que a diligência é realizada.
Sobre o tema, Saadi lembrou que, quando esteve à frente do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça, houve uma tentativa frustrada de criar uma equipe conjunta com investigadores suíços, no âmbito da Lava Jato.
“A gente não pode ter uma equipe conjunta de investigação que troque documentos e troque informações sem que ela passe por uma autoridade central. Isso acaba demorando muito”, ponderou o delegado.
Uma das saídas cogitadas, então, foi propor à Suíça um novo acordo que deveria passar pelo crivo do Congresso brasileiro. A proposta acabou abandonada, segundo Saadi, por descrença de que os políticos aprovariam a criação de uma equipe que investigaria grande parte do Legislativo.
“Passaria pelo Congresso Nacional, vocês acham? Com grande parte do Congresso Nacional sendo investigado no âmbito da Operação Lava Jato, a criação de uma equipe conjunta de investigação entre Brasil e Suíça para a investigação da Lava Jato?”, questionou Saadi à plateia.
Complementando, o superintendente da PF afirmou que a Lava Jato não teria sido 5% do que é hoje se não fosse a cooperação internacional.
“A Operação Lava Jato não teria sido 5% do que ela é hoje se não fosse a cooperação internacional. E a cooperação jurídica internacional só deu certo, sabe Deus lá por quê, assim, com a velocidade necessária… Mas em 99,9% dos casos, eu posso afirmar pra vocês, com certeza, que o timing, ele infelizmente não é o [timing] necessário.”
Polêmica
Uma das declarações de Saadi inflamou os ânimos daqueles que participavam do debate. Ao se referir a “valores”, o delegado disse que “jamais” receberia dinheiro para defender pessoas que cometeram crimes. Por outro lado, o policial frisou acreditar que todos têm direito a defesa.
“Eu não me sentiria confortável em defender um criminoso. E mais do que isso, ganhar milhões para defender. E mais do que isso ainda, aí é uma polêmica um pouquinho maior, só pra finalizar, [ser] pago com dinheiro desviado dos cofres públicos. Eu estou falando de casos de corrupção mesmo. A gente têm diversos casos em que a gente sabe que, infelizmente, os honorários são pagos com dinheiro desviado.”
Além do superintendente da PF no RJ, também participaram do debate a defensora pública do RJ Lívia Casseres; o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz; a presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim); Eleonora Nacif; a professora do Departamento de Segurança Pública da UFF, Jacqueline Muniz; e o procurador regional da República Leonardo Cardoso de Freitas.
O evento também marcou o lançamento do livro “Por que o legislador quer aumentar penas? Populismo penal legislativo na câmara dos deputados: análise das justificativas das proposições legislativas no período de 2006 a 2014”, do professor da FGV André Mendes, que também foi um dos debatedores.
FONTE: G1.COM
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