Raquel Dodge buscou decisões nas quais ministro manteve prisões
É com decisões do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que a Procuradoria-Geral da República (PGR) vem buscando argumentos para contestar as decisões em que ele próprio mandou soltar investigados da Lava-Jato do Rio de Janeiro. A PGR faz questão de apontar que em alguns casos Gilmar decide de um jeito e, em outros, fez o oposto, mas não chega a usar a palavra “contradição”.
Desde junho deste ano, foram pelo menos cinco recursos parecidos em casos diferentes envolvendo o ex-presidente da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio) Orlando Diniz e os doleiros Antônio Cláudio Albernaz Cordeiro, Athos Roberto Albernaz Cordeiro, Rony Hamoui e Marcelo Rzezinski – todos soltos por decisões de Gilmar. Quatro deles são assinados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e um por seu vice, Luciano Mariz Maia.
Em todos os casos, eles foram presos por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramentos da Lava-Jato no Rio. A defesa apresentou recursos que foram negados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) e, liminarmente, pelo relator no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Rogério Schietti.
De acordo com a súmula número 691, do STF, para que a Corte possa analisar um recurso, é preciso que o seu trâmite tenha terminado no STJ, o que não tinha ocorrido em nenhum dos cinco casos da Lava-Jato do Rio. Assim, quando a defesa insiste em “pular” a instância e levar um habeas corpus diretamente ao STF, o mais comum é que os ministros rejeitem o pedido sem sequer analisar os argumentos. E, conforme apontado pela PGR, foi o que Gilmar fez em diversas outras ocasiões.
Dodge e Maia apontaram alguns episódios em que Gilmar rejeitou o pedido por esse motivo. Em outubro de 2017, ele negou habeas corpus a uma pessoa presa em flagrante por ter 85,5 gramas de maconha em depósito. Em dezembro, a Segunda Turma do STF rejeitou recurso com o mesmo argumento. Outro episódio é de 4 de junho de 2018, quando Gilmar negou pedido de liberdade de um preso que roubou 140 reais usando uma arma branca.
Gilmar e a própria PGR escreveram que, dependendo do caso, a regra pode ser flexibilizada. Mas, ao fazer a comparação das decisões do ministro, Dodge e Maia entenderam que não seria o caso da Lava-Jato no Rio. “Os exemplos são vários, e os casos acima indicados – cuja gravidade, aliás, é notoriamente inferior à retratada nos presentes autos (Lava-Jato do Rio) – são apenas uma pequena amostra deles”, anotou a PGR.
O órgão também avaliou que, quando é concedido habeas corpus ignorando a própria regra do STF, “reduz-se o papel do STF, que diminui sua presença como Corte Constitucional, ampliando sua condição de juízo de fatos – dos quais está distante – que conduziram à prisão”. Opinou ainda que isso “representa preocupante ofensa às regras de competência (a quem cabe julgar), além de evidente supressão de instância e desrespeito ao princípio da colegialidade”.
Dodge e Maia também usaram decisões de Gilmar para atacar outro argumento utilizado pelo próprio ministro. Entre as razões que justificaram a soltura dos investigados da Lava-Jato do Rio está o fato de os supostos crimes que motivaram a prisão terem ocorrido em anos anteriores. Assim, não haveria “contemporaneidade” para justificar a manutenção da prisão enquanto não há condenação.
Um dos casos citados pela PGR, em que também não houve o fim do trâmite do recurso no STJ, é justamente o de um doleiro da Lava-Jato do Rio chamado Henri Joseph Tabet. A defesa alegou que não havia contemporaneidade, mas Gilmar negou o pedido e endossou a decisão do ministro Schietti, do STJ.
Schietti tinha afirmado: “Não há como afirmar, com inequívoca segurança, em análise precária, própria das liminares, que não persiste risco atual à ordem pública. A forma sofisticada com que aparentemente o paciente agia, a estrutura que detém para fazer operações de câmbio sem auxílio dos colaboradores e a notícia de que, em tese, reiterava os ilícitos há anos, com profissionalismo, justificam o receio contemporâneo de novas práticas criminosas.”
Em outro caso, de tráfico de drogas, julgado em fevereiro de 2018, a PGR destacou que Gilmar “manteve a prisão preventiva de paciente acusado de porte de drogas, decretada em 2017 por fatos ocorridos em 2016”.
De qualquer forma, independentemente dessa questão, o entendimento da PGR é de que os crimes atribuídos aos cinco investigados da Lava-Jato do Rio em que houve recurso são contemporâneos. Em todos esse habeas corpus, Gilmar determinou a substituição da prisão pela aplicação de medidas cautelares alternativas. Eles foram proibidos de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio, e tiveram que entregar o passaporte, não podendo deixar o país.
Procurado, Gilmar Mendes não comentou as críticas da PGR.
FONTE: O GLOBO
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