Brasil

Ministério Publico do Trabalho questiona metodologia da PNAD para trabalho infantil

Procuradora do Trabalho Patrícia Sanfelici aponta mudanças nos critérios e impossibilidade de comparação com pesquisas anteriores

O Ministério Público do Trabalho (MPT) vai buscar, junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esclarecimentos a respeito de mudanças implementadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) deste ano. Nesta edição, critérios que antes eram identificados como trabalho infantil deixaram de ser computados nos resultados, mudando o conceito da pesquisa e tornando-a impassível de comparação com as dos anos anteriores.

Um exemplo desses critérios eliminados é a parcela de crianças e adolescentes que produzem para o próprio consumo. A procuradora do MPT Patrícia Sanfelici explica os problemas desta mudança. “Embora isso seja trabalho infantil, e isso, até então, fosse levado em conta para a ponderação do número, hoje ele foi considerado em apartado, ou seja, existe ali o reconhecimento das crianças e adolescentes que trabalham e produzem para próprio consumo, porém não está mais computado no que é identificado como trabalho infantil”, esclareceu a procuradora, que é coordenadora da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT.

Segundo ela, essa mudança levanta questionamentos e precisa ser esclarecida. “Crianças e adolescentes que trabalham para o próprio consumo também estão em situação de trabalho infantil, elas são as mais vulneráveis. São crianças e adolescentes que estão trabalhando para sobreviver, então como isso não vai ser considerado trabalho infantil? O que é considerado isso?”, questiona a procuradora.

Também não está sendo ponderado na pesquisa deste ano o contingente de crianças e adolescentes que realizam afazeres domésticos. “Por exemplo, se a gente considerar crianças que estão em afazeres domésticos, a PNAD identifica isso. Identifica mais de 20 milhões de crianças em situação de afazeres domésticos, só que não considera isso como trabalho infantil. Então está ponderado na pesquisa, mas não está enquadrado como trabalho infantil”, levanta Sanfelici.

Para a procuradora, o número de 1 milhão de crianças envolvidas em trabalho infantil não é, portanto, verdadeiro. “O número de crianças que se encontra nesse tipo de situação é muito maior. Em razão disso tudo que eu acabei de explicar, acabei de referir. Por exemplo, crianças em situação de afazeres domésticos alcançam um número de 20 milhões. A própria pesquisa aponta isso”, afirma Sanfelici.

Segundo os dados divulgados pelo IBGE, o número de crianças trabalhando teria passado de cerca de 2,3 milhões em 2015, para 1 milhão em 2016. A coordenadora da Coordinfância, no entanto, afirma que não houve essa redução, mas apenas mudanças na metodologia. “É necessário que as mudanças sejam esclarecidas. Se a explicação tivesse sido feita junto com os novos números, se evitaria a conclusão equivocada de que houve a redução de 1 milhão de crianças em situação de trabalho infantil, quando isso não aconteceu”, declara a procuradora.

Comparação – Sanfelici destaca que um dos grandes problemas das mudanças na metodologia é a impossibilidade de se comparar a atual pesquisa com as dos anos anteriores. Por exemplo, uma mudança importante foi no conceito de população economicamente ativa. “Até a pesquisa anterior, se considerava no âmbito da população economicamente ativa todos com mais de 10 anos que trabalhavam. Agora, é a partir dos 14 anos que se considera dentro da população economicamente. O que isso significa? Que essas pesquisas não são mais comparáveis. A gente não pode pegar a PNAD anterior, comparar com a PNAD atual e dizer ‘o trabalho infantil teve uma queda de x%'”, explica.

A procuradora explica que o extenso registro histórico já existente terá que ser estudado novamente para se adequar dentro dessa nova série histórica. “Há uma mudança no conceito, isso problematiza a análise dos dados, então esse é um problema porque torna mais difícil a ponderação desses dados. Antes era simplesmente pegar uma pesquisa anterior e fazer a comparação, hoje já não mais. A gente vai ter que depurar esses dados para poder chegar a conclusões a partir deles”, esclarece. “É uma modificação, toda modificação exige um esforço maior, então isso é o que vai ter que ser feito agora. É importante que se registre isso para que não fique uma impressão equivocada de que aconteceu uma diminuição que de fato não aconteceu”, completa Sanfelici.

Audiência pública – O MPT participou, nesta quinta-feira (30), de audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados, sobre o PL 2.563/2015, que institui o monitoramento do uso de trabalho forçado e de trabalho infantil em Estados estrangeiros. Integrou a mesa a procuradora do Trabalho e coordenadora do Coordinfância Patrícia Sanfelici, que louvou a iniciativa. “A ideia é ótima. Ela, na verdade, caminha bem de acordo com o que internacionalmente se tem pensado, que os Estados colaborem uns com os outros nesse combate”, declarou.

Sanfelici, no entanto, destacou as dificuldades logísticas e políticas para a implementação das ações. “As questões que persistem com relação a esse projeto são a sua operacionalização e a sua adequação neste momento histórico, em que a legislação interna está sofrendo tantas alterações – alterações que, a nosso ver, são no sentido do retrocesso do que já tínhamos”, esclarece. “Se estamos sentindo internamente perdas e cortes orçamentários relacionados à fiscalização no nosso território nacional, como nós vamos estabelecer um novo viés fiscalizatório se não estamos atendendo, enquanto Estado, a fiscalização no nosso ambiente interno? É uma questão que precisa ser pensada, refletida e respondida”, completou a procuradora.

FONTE: ASSESSORIA

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