O ódio é um vil sentimento extremamente fétido que mata-nos sofisticadamente aos poucos, aos poucos, aos pouquinhos. O olhar torna-se feio, obscuro. O ar de inocência se vai. Como somos tolos! Perdemos a valiosa oportunidade de exercer a humildade e optamos pela latente presença da escuridão. E lembre-se: más escolhas sempre geram tristes consequências.
A vaidade do eu é a mesma. Não há o querer da mudança sincera. É mais fácil deixar o rancor vivo. Parece até justo. Poderia ser justo sim. Não é.
Cargas negativas nos cercam. Resta os dias cinzas. As flores perdem o encanto. O mar já não é tão belo aos olhos. Deus parece distante. Um Ser sem muito sentido. A mágoa é nociva.
– A arte não te encanta, Celso? – perguntou-me Olívia.
Refleti um mínimo instante. Sorri. Sorriso amarelo.
– Não. A arte não me encanta. Perdi a sensibilidade.
– Nem Mulher com sombrinha, de Claude Monet?
– Nem Abaporu, de Tarsila do Amaral.
– Você está morto, Celso?
– Talvez, Olívia. Talvez. Talvez esteja interiormente morto.
Estava. Morto estava eu. Não sabia disso. A cegueira tomou-me completamente. Lamentável é estar doente na alma e achar-se são. Engano total, mortal em alguns casos.
– Por que você perdeu a sensibilidade, Celso? – quis saber minha irmã.
Não respondi. Silencio fúnebre. Morreu alguém? Eu morri mesmo estando vivo. O ódio fez-me uma criatura fraca no poder de superar os obstáculos da vida. Fui sepultado num cemitério invisível. Almas perdidas eternamente? Óbvio que não! Porém, quão complicado é ressuscitar daquele lugar e dar um testemunho digno de aplausos.
Jogaram rosas no meu caixão marrom? Não. Não jogaram rosas no meu caixão. Nem uma sequer. Nem a amante que eu sustentava e que fazia-me sentir prazer sexual nas noites quentes. Nem o meu filho ingrato, viciado nas drogas e preguiçoso. Nem o meu pai que bebia excessivamente. Nem os meus irmãos egoístas, perdidos nos próprios delitos. Nem a mulher com que casei no ano de 1977. Nem os AMIGOS. Todos falsos, interesseiros e perigosos.
- Antes de morrer. Li A hora da estrela, de Clarice Lispector. 1977. Um marco na obra literária da autora reconhecida pelo talento. Li e até que achei interessante. Mas… Não gostei muito. Li Dom Casmurro, do romancista Machado de Assis. Uma boa trama! Entretanto, a história pareceu-me melancólica. E a melancolia trazia-me pensamentos vazios.
Visitei museus históricos. Fui dançar por Paris, vivi paixões intensas, consegui ficar rico e nada tirou de mim o rancor, a fúria maligna. Ilusões me agraciavam suavemente. Levemente.
– Eu me sinto meio sem rumo, sem direção. Sem paz – desabafei diante de um sábio idoso certa vez.
Ele fitou-me. Analisou-me. Indagou:
– Por que se sente desse jeito?
Abaixei os olhos. Lágrimas escorreram pelo meu rosto branco.
– Eu tenho ódio do meu pai.
– Ódio, seu Celso?
– Sim, senhor. Ódio. Um ódio, um rancor violento daquele desgraçado.
– Isso não pode. A mágoa só te fará mal. Você está se matando devagar. Bem devagar, seu Celso. Isso não pode.
– E como faço para perdoar meu pai?
– Perdoe ele sem seguir seu coração. Use a mente.
– Perdoar ele?
– Sim. Ele plantou a semente do ódio em você. E você, seu Celso? Quer plantar a semente do ódio ou do amor?
Tais palavras ficaram na minha cabeça martelando por dias e dias e dias. Aconteceu que eu o perdoei. Por que fiz isso? O perdoei por entender que apenas me afundava na podridão. Ele vivia a sua vida. E eu? Eu morri antes dele. De vítima me transformei em vilão cruel. Cruel comigo mesmo. O perdão me fez sorrir com vontade. Me fez encontrar uma companheira. Me casarei mês que vem.
Autor; Alberto Ayala
Alberto Ayala, 17 anos, natural de Porto Velho, é estudante do Terceiro Ano do Ensino Médio na Escola João Bento da Costa na Capital: Alberto Ayala é um contista iniciante e desde cedo já demonstra sua vocação para escrever poesias e contos.
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