Uma das maiores responsáveis pela divulgação da literatura brasileira no mundo, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) – vinculada ao Ministério da Cultura (MinC) – vem há 26 anos fomentando o mercado literário brasileiro com a tradução de livros distribuídos no exterior. Esse trabalho vem sendo feito por meio do Programa de Bolsa Tradução, que começou em 1991 e já traduziu livros de escritores brasileiros para 38 idiomas. Os idiomas mais traduzidos são espanhol, alemão, francês, inglês e italiano, nesta ordem.
No exterior, a comercialização é feita pelas editoras por meio de distribuidores, livrarias e pontos de venda em seus países. No entanto, boa parte das editoras publica as traduções em meio digital também.
Os Editais de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros são lançados a cada dois anos. Os projetos inscritos são avaliados por uma comissão que se reúne de duas a três vezes por ano. Somente nos últimos cinco anos foram concedidas 689 bolsas em diversos idiomas.
Popularização da literatura
Francesa apaixonada pela literatura brasileira, Paula Salnot, dona da editora Anacaona, é referência na publicação de livros brasileiros na França. Dos quarenta títulos publicados por sua editora desde 2009, 16 foram traduzidos por meio dos editais de tradução da BN.
O MinC conversou com Paula Salnot para entender um pouco mais sobre o impacto do programa de traduções da FBN no aquecimento do mercado literário brasileiro fora do País.
Desde que o programa começou, foram traduzidas 104 obras para o francês, sendo 101 livros publicados por editoras francesas e três por editoras canadenses.
Paula Salnot, que se interessou pela produção literária nacional como uma forma de compreender melhor as nuances culturais do Brasil, acredita que as bolsas concedidas pela Biblioteca Nacional têm um papel estratégico na popularização da nossa literatura. “O custo de tradução de um livro é enorme. Uma grande editora, que publica tiragens de 10 mil exemplares, por exemplo, tem essa despesa diminuída. No entanto, em tiragens pequenas, o que é cada vez mais frequente (mesmo nas grandes editoras), um livro traduzido raramente é rentável sem apoio público”, afirmou.
A editora destaca a necessidade de ampliar o acesso de novos leitores à produção literária brasileira. “Várias editoras francesas, que não são especialistas em literatura brasileira, publicaram títulos graças ao apoio da FBN. Isso foi fundamental para mostrar a quantidade de autores brasileiros que tem um trabalho de qualidade para ser publicado também no mercado internacional”, elogiou.
Leia a íntegra a entrevista com Paula Salnot.
Como começou seu interesse por literatura brasileira?
O interesse pela literatura brasileira veio ao mesmo tempo em que surgiu o encanto pelo Brasil. Estive no país pela primeira vez em 2003, depois de uma longa viagem pela América Central e por outros países sul-americanos. Preferi deixar o melhor para o final. Imediatamente senti uma afinidade e até mesmo uma certa intimidade com o Brasil. Mas foi por meio da literatura que pude conhecê-lo, compreendê-lo e amá-lo mais. Comecei a ler de forma compulsiva.
Quando sua editora iniciou as atividades?
A partir de 2005, comecei a traduzir livros para editoras francesas. O primeiro romance que traduzi, e pelo qual tenho um carinho especial, é O Pardal é um pássaro azul, de Heloneida Studart. A edição francesa ganhou o título Le cantique de Mémeia. Depois disso nunca mais parei.
Somente entre 2009 e 2010 é que decidi fundar a Editora Anacaona para publicar realmente o que eu queria, dentro de um espaço que passei a conhecer bem e até mesmo a dominar. Eu traduzo grande parte dos livros que publico. E adoro isso.
Pouco a pouco, fui construindo meu catálogo. A estreia foi um processo quase artesanal. Com o passar do tempo, fui me profissionalizando e as publicações ganharam, notadamente, mais regularidade.
A primeira coleção que publiquei era voltada apenas para a literatura marginal brasileira, com autores como Ferrez, pseudônimo do escritor e Reginaldo Ferreira da Silva. Logo depois fizemos outra coleção focada em elementos nordestinos e no universo de escritores como José Lins do Rêgo. Também lançamos uma série de livros de literatura contemporânea brasileira e, por último, agora em 2017, uma coleção infanto-juvenil.
Com base na experiência da Anacaona, como você descreveria o interesse do público francês e/ou dos países francófonos pela literatura brasileira? Existe algum tema que desperte mais a atenção dos franceses?
Em termos culturais, somos obrigados a lidar com o eterno problema da hegemonia do “gigante americano”, que toma muito lugar! Além disso, é preciso considerar também a rica produção literária francesa. Entre os franceses e os blockbusters americanos, não sobra muito espaço para trabalharmos expressões literárias de outros países.
Independente disso, eu diria que muitos franceses ficaram um pouco presos a Jorge Amado. Para eles, a literatura brasileira se resume ao exotismo, à leveza, às paisagens ensolaradas e às mulheres que habitam as obras do escritor baiano. O ambiente das favelas, hoje quase um clichê, também desperta muito a curiosidade do francês.
O jogo de cintura consiste, então, em navegar entre esses clichês. Eu proponho, por exemplo, livros que tratam de favelas (porque é um tema que interessa aos franceses e a mim também), mas com um olhar diferente, que dê voz aos seus moradores e tragam histórias positivas.
A questão da tradução ainda representa um desafio para as editoras?
O programa de bolsa tradução da Fundação Biblioteca Nacional contribuiu muito para a divulgação da literatura brasileira na França. De fato, o custo de tradução de um livro é enorme. Uma grande editora, que publica tiragens de 10 mil exemplares, por exemplo, tem essa despesa diminuída. No entanto, em tiragens pequenas, o que é cada vez mais frequente (mesmo nas grandes editoras), um livro traduzido raramente é rentável sem apoio público. Todos os governos sabem disso. A Coreia do Sul e a Suécia, cientes dessa realidade, oferecem ajudas financeiras extremamente generosas para minimizar possíveis prejuízos com tradução.
Várias editoras francesas, que não são especialistas em literatura brasileira, publicaram títulos graças ao apoio da FBN. Isso foi fundamental para mostrar a quantidade de autores brasileiros que têm um trabalho de qualidade para ser publicado também no mercado internacional. Na minha opinião, isso contribui para construir aos poucos um catálogo de escritores de alcance mundial.
Desejo sinceramente que esse programa de tradução da FBN tenha continuidade. Sem ele, temo que as editoras francesas se voltem para outros países que ofereçam essa ajuda. Nesse caso, não resta dúvida de que o leitor francês se voltaria com facilidade para a produção literária anglo-saxônica, ou simplesmente, para a própria França, que representaria custo zero de tradução.
Quantos e quais os títulos sua editora comercializa atualmente?
Hoje temos cerca de 40 livros em nosso catálogo. Entre as novidades de 2017 temos Vasto mundo, de Maria Valéria Rezende, e o magistral Fogo Morto, de José Lins do Rego – uma tradução que me levou anos. Esses dois livros pertencem à coleção da Terra Nordeste.
Já na série infanto-juvenil da Anacaona temos O Livreiro do Alemão, de Otávio Júnior, uma grande história que acontece na favela, mas que pela primeira vez pretende quebrar os estereótipos da violência nessas comunidades. E para o biênio 2017-2018, esperamos que outros livros de literatura marginal possam enriquecer a coleção Urbana.
Fonte: Ministério da Cultura
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