A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, desempatou o julgamento, que terminou com seis votos a favor e cinco contra
BRASÍLIA – Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira que os réus deverão ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, sem o direito de recorrer em liberdade até que sejam julgados todos os recursos possíveis. Em fevereiro, o tribunal tinha tomado essa decisão, mas com validade apenas para um preso específico. Agora, a regra terá de ser aplicada por juízes de todo o país, porque a nova decisão tem validade nacional.
Os juízes continuam, no entanto, com liberdade para analisar caso a caso e adotar medidas excepcionais em situações específicas – como, por exemplo, mandar prender um condenado muito perigoso antes da decisão de segunda instância. Ou, ainda, permitir que alguém recorra em liberdade, por apresentar baixo grau de ameaça à sociedade ou algum tipo de problema de saúde. Esses casos serão tratados como exceção.
Quem defendia o direito de recorrer até a última instância antes do início do cumprimento da pena argumentou que ocorriam muitas condenações injustas em instâncias inferiores que eram corrigidas apenas por cortes superiores, no julgamento de recursos. A maioria dos integrantes STF lembrou, entretanto, que, diante de eventuais injustiças, as portas da corte estariam sempre abertas aos pedidos de habeas corpus, que têm prioridade nos julgamentos. Em casos de flagrante ilegalidade, o STF tem a obrigação de determinar a imediata libertação do detento.
— Sempre poderá haver erro. Mas o sistema permite correção. Permite até o impedimento do início do cumprimento da pena com liminar em habeas corpus — explicou o ministro Gilmar Mendes.
No dia 1º de setembro, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, votou para que condenados em segunda instância não sejam presos se estiverem recorrendo judicialmente da sentença. Hoje, concordaram com o relator os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewadowski e Celso de Mello.
— A repulsa da presunção de inocência mergulha suas raízes em uma vida incompatível com regime democrático, impondo à esfera judicial do cidadão restrições não autorizadas pela Constituição — declarou Celso de Mello, o mais antigo integrante do tribunal.
Toffoli foi o único que mudou de posição em relação à sessão de fevereiro. No primeiro julgamento, o ministro tinha votado pela prisão logo depois da condenação em segunda instância. Hoje, explicou que, naquela ocasião, estava falando do caso de um preso específico. Agora, a regra a ser aprovada seria aplicada para todos os condenados. Ao votar, Toffoli demonstrou preocupação com as condenações injustas de instâncias inferiores que eram revertidas em tribunais superiores. Ele declarou que as prisões só poderiam ocorrer depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgasse um recurso do condenado.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, defenderam a tese oposta — ou seja, a execução antecipada da pena. Barroso citou exemplos de criminosos que, mesmo depois de condenados, ficaram muitos anos em liberdade – entre eles, o jornalista Pimenta Neves, que matou a namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Para Barroso, esse sistema gera frustração na sociedade, que não vê a punição ser concretizada.
— Um sistema de justiça desacreditado pela sociedade colabora para o aumento da criminalidade — disse Barroso.
Luiz Fux também lembrou o caso emblemático ao votar. Para o ministro, não é preciso verificar apenas o direito do condenado, mas o direito da sociedade de ver o crime cometido ser punido em tempo razoável.
— Estamos discutindo isso porque as condenações são postergadas por recursos aventureiros. Estamos discutindo isso porque, por força do recurso impeditivo do trânsito julgado (fim do processo), um réu matou uma jornalista e passou onze anos solto. Estamos discutindo isso porque estamos mais preocupados com o direito fundamental do acusado e estamos nos esquecendo do direito fundamental da sociedade, que tem evidentemente a prerrogativa de ver aplicada a sua ordem penal — declarou Fux.
Barroso afirmou que o atual modelo é caótico, porque permite que um condenado apresente dezenas de recursos a tribunais superiores, adiando por anos o início do cumprimento da pena. O ministro também disse que o sistema acaba beneficiando apenas quem tem dinheiro para pagar um advogado para apresentar um número indefinido de recursos.
— Temos um modelo caótico que constrange a qualquer pessoa que tenha que explicar que um determinado caso teve 25 recursos negados no STJ. Não é nem ruim. É mais puxado para o ridículo do que para o ruim _ comentou Barroso, que prosseguiu adiante: — Enquanto o advogado tem direito a recorrer, ele exerce esse direito e acho que ninguém pode criticar ou condenar isso. A regra é um estímulo para que não se deixe o processo transitar em julgado — completou.
O voto de Marco Aurélio foi baseado no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual uma pessoa não pode ser considerada culpada até que possa provar o contrário. Para ele, a pena imposta a alguém só pode ser executada quando se esgotarem todas as possibilidades de recurso judicial. Depois da segunda instância, os réus ainda podem apelar ao STJ e, por fim, ao STF.
Na última sessão, Marco Aurélio citou dados revelando que é muito comum, em julgamento de recursos, o STJ concedeu direitos a condenados por tribunais de segunda instância. Entre esses direitos, estão a diminuição da pena, a mudança do regime inicial de cumprimento da pena e até a absolvição. Segundo Marco Aurélio, entre 2008 e 2015, o STJ concedeu direitos em 29,30% a 49,31% dos recursos.
A regra da execução antecipada da pena era aplicada no STF até 2009. Naquele ano, no julgamento de um processo, o tribunal mudou a jurisprudência e determinou a necessidade de trânsito em julgado como condição para o início da execução penal. O julgamento de fevereiro resultou em nova reviravolta da jurisprudência, que voltou a ser o entendimento da corte até 2009. Embora a decisão de fevereiro tenha sido dada em um caso específico, sem extensão a todos os processos semelhantes, juízes de todo o Brasil começaram a aplicar o entendimento, em respeito à jurisprudência da mais alta corte do país.
A decisão de hoje foi tomada no julgamento de duas ações apresentadas pelo PEN e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O pedido era para que fosse validado o artigo do Código de Processo Penal que determina o início do cumprimento da pena de prisão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Nas ações, as entidades argumentam que a decisão tomada pelo STF teve força suficiente para influenciar juízes de todo o país. Por isso, seria necessário a corte fixar uma posição definitiva sobre a questão. Depois da decisão de fevereiro, decisões díspares da segunda instância e também liminares concedidas por ministros do STF em sentidos opostos comprovaram essa necessidade.
Em junho, Celso de Mello deu habeas corpus libertando um réu que tinha sido preso depois de condenado em segunda instância. Lançou mão do princípio constitucional da presunção de inocência no despacho. Em julho, durante o recesso do tribunal, o então presidente, Ricardo Lewandowski, mandou soltar outro réu na mesma situação. Em agosto, com o fim do recesso, o relator do caso, Edson Fachin, revogou a decisão de Lewandowski e determinou a volta do réu para a prisão.
Fonte: oglobo
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