Entorpecente foi responsável por dois terços das mortes por overdose no país entre março de 2022 e março de 2023
Os Estados Unidos enfrentam uma epidemia com o aumento do consumo de opioides — drogas ou medicamentos derivados do ópio —, especialmente o fentanil, substância que tem se mostrado a mais mortal no país nos últimos anos. Entre março de 2022 e março de 2023, foram registradas 110 mil mortes por overdose nos Estados Unidos. Dois terços delas, cerca de 72 mil, estão relacionados ao uso de fentanil, de acordo com o Centro de Controle de Doenças (CDC). Para efeito de comparação, dados preliminares divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que, em 2022, morreram 32.174 pessoas no trânsito brasileiro — que é considerado um dos mais violentos do mundo.
É o próprio CDC que classifica a situação como epidemia. Como outros opioides, o fentanil surgiu com fins médicos, como analgésico e anestésico. Como a medicação provoca dependência e sua venda é restrita, traficantes começaram a produzir o entorpecente ilegalmente. Para os criminosos, foi só vantagem: o fentanil é mais barato de ser produzido do que outras drogas e é de 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, outra substância opioide.
Para os usuários, o prejuízo é imenso. O fentanil é frequentemente chamado de droga zumbi, porque causa depressão respiratória — um efeito colateral do consumo elevado da substância — e deixa as pessoas em um estado de semiconsciência, como se fossem mortos-vivos. O problema se agravou nos últimos anos com a chegada da “tranq”, mistura de fentanil com a substância xilazina, que potencializa os efeitos.
Vídeos feitos na Filadélfia, cidade americana onde a droga começou a circular, mostram pessoas que parecem tendo convulsões e se arrastando pelo chão, como se tivessem saído de um filme de terror.
O fentanil se tornou um problema de saúde pública tão grande nos Estados Unidos que, em março deste ano, a FDA, agência similar à Anvisa e que regulamenta a comercialização de alimentos e medicamentos, entre outros produtos, autorizou o uso do spray nasal naloxona para interromper uma overdose.
A medida, no entanto, ainda não se mostrou tão eficaz quanto o esperado. Como cada estado americano tem autonomia para criar as próprias leis, há governadores e deputados que afirmam que o uso da naloxona incentiva o uso de drogas como o fentanil e o tranq.
Para o psicólogo e profissional em redução de danos Bruno Logan, a resistência em relação à naloxona pode causar mais mortes. Logan, que hoje mora no Canadá, conta que naquele país a naloxona é oferecida gratuitamente para reduzir os danos causados pelo fentanil. O remédio pode ser tanto inalado quanto injetado.
“O Canadá está bastante avançado na questão de política de drogas, e o uso da naloxona como antídoto contra opioides não está sequer em pauta”, diz o psicólogo. “O país entende que esta é uma questão de saúde pública, uma vez que o medicamento previne mortes.”
Segundo o delegado Fernando Góes Santiago, do Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc), os Estados Unidos absorvem quase toda a demanda de drogas opioides, como fentanil e tranq.
“Atualmente, os Estados Unidos importam ópio do vizinho México, que agora tem os próprios cartéis para a produção da substância e abastece o país com fentanil e outras drogas opioides”, afirma Santiago. “A droga é feita em laboratórios de maneira clandestina e vai para o mercado dessa forma.”
Segundo Santiago, a primeira apreensão de fentanil no Brasil fora dos hospitais, no contexto do narcotráfico, ocorreu em 2012. De lá para cá, o Denarc registrou cerca de 65 ocorrências da droga no país. Em 2020, houve um aumento significativo do consumo de fentanil para uso recreativo, devido à pandemia da Covid-19.
“O fentanil é bastante utilizado para a entubação de pacientes, e, na época da pandemia, houve um aumento da demanda da droga para abastecer os hospitais. Consequentemente, o desvio do medicamento também aumentou, embora haja um controle bastante rígido da substância na maioria dos hospitais”, ressalta o delegado.
No Brasil, o fentanil usado no contexto do narcotráfico tem como principal objetivo aumentar o volume da cocaína e, consequentemente, o lucro do traficante. O delegado explica que apenas cerca de um quarto da cocaína vendida nas ruas consiste na droga pura. O restante do conteúdo é uma mistura de outras substâncias, que podem ir desde estimulantes, como a cafeína, até depressores, como a lidocaína e o fentanil. Os traficantes normalmente procuram proporcionar um equilíbrio entre substâncias estimulantes e depressoras.
Como o fentanil é uma droga muito potente, basta um frasco da substância para batizar 1 quilo de cocaína. Isso permite misturar a droga com mais cafeína, por exemplo. Com isso, os traficantes colocam mais cocaína batizada nas ruas, aumentando seus lucros.
Santiago ressalta que a apreensão do fentanil no contexto do narcotráfico ainda é rara no Brasil, embora o país tenha registrado um aumento do consumo da droga para uso recreativo em 2020. Para ele, o risco de o entorpecente evoluir para um problema de saúde pública por aqui é muito baixo, uma vez que os traficantes brasileiros não contam com nenhum fornecedor de entorpecentes derivados de ópio.
O Denarc destaca, no entanto, que segue atuando no monitoramento das ocorrências que envolvem a substância no contexto do narcotráfico.
Apesar de ser chamada de “droga zumbi” nos Estados Unidos, o fentanil e o tranq não têm nada a ver com a chamada “supermaconha”, que começou a circular há pouco tempo no Brasil e também causa efeitos devastadores em seus usuários — inclusive espasmos e “travamentos”, que dão a mesma impressão de as pessoas serem zumbis.
“O fentanil tem uma ação depressora sobre o sistema nervoso central”, diz Logan. As drogas K, por sua vez, são substâncias sintéticas que imitam os efeitos da maconha, com resultado perturbador sobre o sistema nervoso central, distorcendo as atividades cerebrais. Os efeitos dessas drogas podem causar perturbações quanto ao espaço e ao tempo, distorções nos cinco sentidos e até mesmo alucinações.
FONTE: R7.COM
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