Policial

Policial que agrediu iraniano em SP diz que usou ‘força física necessária’

José Camilo Leonel foi indiciado e afirmou que sacou arma para ‘dominá-lo’.
Universitária que acionou o policial também foi indiciada em inquérito.

O investigador José Camilo Leonel, indiciado pela Corregedoria da Polícia Civil, após agressão ao comerciante iraniano Navid Saysan em uma loja demax4 tapetes nos Jardins, região nobre de São Paulo, afirmou em depoimento que utilizou a “força física necessária” e que “sacou a arma sem colocar o dedo no gatilho”.

O policial civil é suspeito de cometer os crimes de corrupção passiva, constrangimento ilegal, injúria e falsidade ideológica, segundo informou a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-SP) na noite desta quinta-feira (10). Além do inquérito policial, Leonel responde a processo administrativo.

No depoimento obtido pelo G1, Leonel diz que só usou de força física e sacou a arma porque Navid resistiu à prisão. Imagens das câmeras de segurança exibidas pelo Fantástico mostraram que Leonel agrediu e apontou a arma para Navid mais de uma vez.

“Eu puxei Navid, a fim de dominá-lo e conduzi-lo para a viatura, e tentava contê-lo de alguma forma, com o uso de força física, o que deixou de ser possível quando aquele vendedor, que depois vim a saber se chamar Douglas, interveio, interpondo-se fisicamente entre mim e Navid, no intuito claro de impedir a prisão”, descreve no depoimento.

  “Em inferioridade numérica, e percebendo que o porte de Douglas era o suficiente impedir aquela prisão, saquei minha arma, apontei-a para Douglas e determinei que ele saísse de perto. Assim que ele saiu, momentos depois, eu guardei minha arma. Quero deixar consignado que, nessa dinâmica, eu não coloquei em nenhum momento o dedo no gatilho da arma, e nem a destravei. Como Navid não aceitava a voz de prisão, nem a tentativa de contenção, saquei novamente a arma, a fim de mantê-lo distante e dominá-lo”, afirmou Leonel.

“Lembro que Navid me empurrou agressivamente e, só então eu lhe desferi um soco na região lombar. Quero deixar consignado que não lhe dei socos, nem tapas no rosto, tampouco coronhadas ou cotoveladas, atitudes que, a meu ver, representariam excesso; tentei conter Navid utilizando apenas e tão somente a força física necessária”, completou em depoimento.

Leonel disse ainda que é “é extremamente comum e recomendado no protocolo operacional que pelo menos um policial fique com a arma em pronto emprego enquanto outro policial procede revista ou contenção com algemas”.

Trecho de depoimento do policial José Camilo Leonel (Foto: Reprodução)
Trecho de depoimento do policial José Camilo Leonel (Foto: Reprodução)

O inquérito será encaminhado ao Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), do Ministério Público (MP), que analisará se vai oferecer denúncia à Justiça. A estudante de Direito Iolanda Delce dos Santos, que comprou um tapete na loja e acionou Leonel após não conseguir o dinheiro do produto de volta, também foi indiciada por constrangimento ilegal, falsidade ideológica e exercício arbitrário das próprias razões.

No depoimento, Leonel contou que conhecia o advogado da estudante Iolanda e que ele o procurou porque tinha dúvidas em uma ocorrência. Ainda segundo o depoimento, a estudante sugeriu um local de encontro, um restaurante, para receber orientações de Leonel.

“Cheguei a esse restaurante por volta das 14h. Quando encontrei a tal moça de nome Iolanda, a cumprimentei com um beijo no rosto. Iolanda começou falando do receio que tinha da dinâmica da cidade grande, devido à alta criminalidade, tendo em vista que ela era do Nordeste”, disse.

Segundo o depoimento, Iolanda relatou o problema que teve com a compra do tapete e só descobriu que a loja era vizinha ao restaurante durante a conversa.

“Até então, eu nem sequer sabia a localização ou o nome da loja, nem outros detalhes da tratativa comercial entre Iolanda e o comerciante do tapete. Iolanda me disse que se sentia criminalmente lesada, e eu a orientei a ira a loja e exisgir os direitos que eventualmente ela alegava ter. Reitero que até aquele momento não tinha conhecimento do local onde ficaria a loja”, afirmou em depoimento.

Leonel disse que estaria próximo à loja e passou “vagarosamente” em frente ao comércio e a observou “desnorteada”.

O policial não mencionou o encontro prévio com Iolanda “porque não foi indagado nesse sentido e não teria problema em dizer se fosse”.

Leonel afirmou ainda que apreendeu as imagens e os celulares das pessoas que estavam na loja para “demonstrar a legitimidada das minhas ações”. Ainda de acordo com ele,um advogado de Navid parecia ser “extremamente influente” na Corregedoria da Polícia Civil e que “mostrava bastante intimidade com os policiais”.

O policial finaliza o depoimento dizendo que também ficou ferido por resistência de Navid. “Quero frisar que jamais tive a intenção de agredir ou constranger o sr. Navid ou qualquer outra pessoa presente naquele estabelecimento. Inclusive, eu me feri nos antebraços durante a ação, certamente em virtude da resistência oposta por Navid e Douglas durante a condução. Isso nçao aconteceu com Navid, pois tomei o máximo cuidado para não feri-lo ou não infligir-lhe qualquer tipo de sofrimento. Gostaria de esclarecer, por fim, que acredito er agido no estrito cumprimento do meu dever legal”.

A agressão ocorreu no dia 21 de janeiro, e foi registrada por câmeras de segurança. Os vídeos foram divulgados pelo Fantástico. No inquérito policial sobre a agressão, a Corregedoria ouviu a universitária, além de agentes do Grupo de Operações Especiais (GOE), e testemunhas. O investigador José Camilo Leonel foi afastado das funções por 180 dias e precisou entregar arma e distintivo.

A advogada do comerciante, Maria José Ferreira, disse que espera que a Promotoria denuncie Leonel e Iolanda também pelo crime de tortura. A defesa do iraniano deve entrar com uma ação indenizatória por danos morais contra o policial, a estudante e a Fazenda Pública do estado deSão Paulo.

Estudante universitária conversa com policial civil em frente a loja de tapetes nos Jardins, em São Paulo (Foto: Reprodução TV Globo)
Estudante universitária conversa com policial civil em frente a loja de tapetes (Foto: Reprodução TV Globo)

Agressão
A agressão ocorreu por causa da venda de um tapete na loja de Navid. Iolanda, que comprou o produto, decidiu devolvê-lo, mas não conseguiu o dinheiro de volta. O comerciante ofereceu um crédito para a compra de outros itens da loja, mas a universitária não aceitou.

Depois disso, ela acionou o investigador José Camilo Leonel, para auxiliá-la. Ele agrediu o iraniano com socos. Toda a agressão foi flagrada por câmeras de segurança. Antes do ocorrido, Iolanda e o policial se encontraram em um restaurante a 250 metros da loja. Em depoimento à Corregedoria, ela confirmou que se encontrou com o policial antes de ir à loja para ser orientada sobre os problemas que estava tendo na compra do tapete. Ela negou, no entanto, ter amizade com José Camilo Leonel.

Em entrevista ao Fantástico, a estudante disse que se sente culpada, mas que o dono da loja provocou o policial e, por isso, ele o agrediu. “O comerciante xingou ele. Ele provocou o policial”, afirmou a universitária.

Investigado por outros crimes
José Camilo Leonel é investigado pela Corregedoria da Polícia Civil também por sua atuação em uma ocorrência em julho de 2013, na qual duas adolescentes de 13 e 14 anos foram baleadas, segundo o G1 apurou. De acordo com o boletim de ocorrência registrado na época, houve troca de tiros entre o carro em que estavam as adolescentes e a viatura de Leonel.

No entanto, a mãe de uma das adolescentes disse ao G1 que as meninas foram baleadas na perna, mesmo sem estarem armadas, e depois de terem descido do carro e informado que não sabiam o que estava ocorrendo. José Camilo Leonel também é investigado pela Corregedoria da Polícia Civil por uma agressão em um posto de combustíveis, em 2015.

Encontro em restaurante e agressão
José Camilo Leonel foi visto no restaurante com a estudante antes de ela o acionar no dia 21 de janeiro para ir à loja do comerciante iraniano. Imagens registradas pelas câmeras do estabelecimento e obtidas pelo G1 mostram os dois se encontrando (veja no vídeo abaixo).

Câmera de segurança do restaurante mostra o policial civil dando um beijo na mulher no encontro antes de ela ir à loja do comerciante (Foto: Reprodução/TV Globo)
Câmera de segurança do restaurante mostra o policial civil dando um beijo na mulher no encontro antes de ela ir à loja do comerciante (Foto: Reprodução/TV Globo)

VEJA A CRONOLOGIA DO CASO:
21 de janeiro: A universitária Iolanda Delce dos Santos foi à loja do iraniano Navid Saysan tentar recuperar o dinheiro da compra de um tapete. Ela pagou R$ 5 mil pelo produto e queria o dinheiro de volta. Ela saiu da loja dizendo que iria chamar a polícia. O policial civil José Camilo Leonel chegou em seguida e agrediu o comerciante. Ele chamou o reforço do GOE. O iraniano deixou o local algemado.

14 de fevereiro: Reportagem do Fantástico mostra imagens das câmeras de segurança da loja de tapetes que mostram a agressão do policial civil ao comerciante. Após a confusão, os envolvidos foram pra delegacia do consumidor e para a corregedoria, onde foi feito um boletim de ocorrência.

15 de fevereiro: A Secretaria de Segurança Pública diz que o policial civil será afastado até o final da apuração dos fatos e que iria abrir inquérito contra a mulher.

16 de fevereiro: O policial civil é afastado por 180 dias.

18 de fevereiro: O iraniano Navid Saysan presta depoimento na Corregedoria da Polícia Civil e sai sem falar com a imprensa.

19 de fevereiro: Em entrevista ao G1, a advogada do comerciante diz que Iolanda foi vista em viatura da Polícia Civil antes de o policial agredir o iraniano.

22 de fevereiro: Reportagem do G1 revela que o policial civil José Camilo Leonel é sócio de uma empresa de segurança. Ele é um dos donos da Pentalpha Consultoria Técnica de Segurança e Investigação em Fraudes Contra Seguros Ltda., que tem como sócia administradora uma parente do policial, Zenaide Leonel dos Santos. Segundo a SSP, os policiais civis podem ser cotistas ou acionistas de empresas, de acordo com a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, mas não podem ser sócios administrativos ou gerentes. No mesmo dia, a secretaria recolhe o distintivo e a arma do policial.

25 de fevereiro: O G1 e a TV Globo divulgam vídeo em que a estudante é vista com o policial antes da agressão na loja de tapetes. Durante a tarde, Iolanda Delce dos Santos presta depoimento na Corregedoria e muda a versão sobre seu relacionamento com Leonel. Ela afirma que foi apresentada ao investigador pelo advogado, mas nega ter amizade com Leonel. No dia 25, o G1 também divulga que o José Camilo Leonel também é investigado pela Corregedoria da Polícia Civil por uma agressão em um posto de combustíveis, em 2015.

26 de fevereiro: Mais três testemunhas prestam depoimento à Corregedoria da Polícia Civil. Uma delas é o advogado que apresentou a estudante ao policial. No mesmo dia, o G1 divulga que José Camilo Leonel também é investigado por sua atuação em uma ocorrência em julho de 2013, na qual duas adolescentes de 13 e 14 anos foram baleadas. De acordo com o boletim de ocorrência registrado na época, houve troca de tiros entre o carro em que estavam as adolescentes e a viatura de Leonel.

28 de fevereiro: Em entrevista ao Fantástico, Iolanda Delce dos Santos volta a dizer que conheceu o investigador no dia da agressão. A estudante disse que se sente culpada pelo ocorrido, mas afirmou que iraniano ‘xingou’ o policial.

02 de março: o iraniano Navid Saysan presta novo depoimento na Corregedoria da Polícia Civil.

09 de março: depoimento de Leonel

10 de março: Leonel e Iolanda são indiciados

 

 

 

 

Fonte: G1

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