Policial

Mortes decorrentes de ações policiais voltam a subir no Rio

Dados do ISP revelam que número de autos de resistência cresceu 30% na cidade

RIO — Ao colocar uma arma na mão direita de Eduardo Felipe Victor dos Santos, de 17 anos, um dos PMs que cercavam o adolescente agonizando no Morro da Providência fez uma aposta que, até então, parecia certeira: forjar uma reação do jovem para fugir da responsabilidade por sua morte. A ação, praticada na manhã de terça-feira e flagrada por moradores que registraram a cena com um celular, mostra que o grupo acreditava na impunidade para um tipo de ocorrência que vem crescendo no Rio: o auto de resistência. Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) revelam que a quantidade de mortes decorrentes de atividades policiais subiu nos oito primeiros meses deste ano, em comparação com o mesmo período de 2014. Foi um aumento significativo: 17,9% no estado e 30,4% na capital.

De acordo com dados do ISP, foram 174 mortes em confrontos entre janeiro e agosto na capital em 2014, contra 227 nos primeiros oito meses deste ano. No estado, as mortes em confrontos tiveram 389 registros no ano passado e 459 em 2015. Das 1.023 mortes violentas registradas até agosto deste ano na cidade, 296 foram provocadas por policiais, ou seja, 22,18%, ou uma em cada cinco. Por outro lado, as estatísticas de homicídios dolosos caíram na comparação entre os mesmos períodos: de 838 para 796 (-5%) na capital e de 3.469 para 2.741 no estado (-20,9%).

ANISTIA INTERNACIONAL FAZ CRÍTICAS

Em agosto deste ano, o alto número de mortes decorrentes de ações policiais já havia chamado a atenção da Anistia Internacional. Um relatório intitulado “Você matou meu filho” aponta indícios de execuções em vários casos.

— O que ocorreu na Providência é mais um exemplo gravíssimo da prática de execuções adotada por policiais no Rio de Janeiro. Esse tem sido um padrão das operações em áreas de favelas: uma pessoa é executada e a cena do crime, alterada. A vítima é criminalizada e a morte, registrada como auto de resistência, pressupondo o confronto e a legítima defesa. As autoridades são as principais responsáveis pela persistência das execuções — disse Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional.

O relatório da organização lembra que a morte de Alan de Souza Lima, de 16 anos, ocorrida em fevereiro de 2015, em Honório Gurgel, foi registrada como auto de resistência. Ele no entanto, foi assassinado por policiais enquanto brincava com amigos. O crime também foi descoberto graças a uma gravação de celular.

— Um dos amigos de Alan chegou a ser detido sob a acusação de tentativa de homicídio contra os policiais. A farsa só foi desfeita porque o celular da vítima estava registrando imagens mesmo após ela ter sido atingida. Na maioria dos casos, infelizmente, não há gravações, e os depoimentos de policiais são as versões aceitas pela polícia e pelo Ministério Público, sendo referendadas pelo Poder Judiciário — afirmou Ciconello.

ÍNDICE ACIMA DO TOLERÁVEL

Na opinião de especialistas, a falta de controle externo das atividades policiais e de transparência nos inquéritos é um dos principais fatores de recrudescimento da violência no Rio. A partir de um acordo entre o Ministério Público e a Polícia Militar, para cada caso de morte em confronto é necessária, além do registro obrigatório e da investigação pela Polícia Civil, a instauração de um inquérito policial-militar.

— No Brasil e no exterior, é considerado aceitável que até 5% dos homicídios tenham sido resultado de ações policiais. Na capital do estado, esse índice já ultrapassa 20%. Aqui, a polícia faz muito uso de força letal. O problema maior está na doutrina de confronto armado, mas a falta de uma fiscalização interna eficiente e de controle externo por parte do Ministério Público contribui muito para isso — afirmou o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análises da Violência da Uerj.

Segundo Michel Misse, professor e chefe de Departamento de Sociologia da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana, uma pesquisa sobre mortes decorrentes de ações policiais entre 2001 e 2011 no Estado do Rio apresentou um resultado impressionante:

— De 510 registros, apenas 355 viraram inquéritos em dezembro de 2007. Dezenove chegaram ao Tribunal de Justiça, sendo que 16 saíram do Ministério Público com pedidos de arquivamento. Ou seja: apenas três viraram ações penais.

Embora o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público esteja previsto na Constituição de 1988, sua implantação, no Rio, ainda não saiu do papel. Em agosto de 2013, o procurador-geral Marfan Martins Vieira determinou a formação de um grupo de estudos para estabelecer, em dois anos, o Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial. Em julho, o MP firmou um termo de ajustamento de conduta com o governo estadual e a PM e estabeleceu um prazo de 180 dias para criá-lo. Assessor criminal do órgão, o procurador Antônio Carlos Biscaia garantiu que, ainda este ano, o grupo começará a trabalhar:

— Ele vai funcionar nos mesmos moldes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público. Em um primeiro momento, seu objetivo será garantir subsídios aos processos criminais para apuração de casos como autos de resistência, entre outros. Já tivemos uma reunião com todos os promotores sobre sua atuação.

Fonte: oglobo

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