No calendário oficial são criados marcos com a finalidade de construir e veicular os símbolos, os valores, as pessoas consideradas como fator de unidade e identidade cultural, e que por isso devem ser co-memoradas.
Nesses dias comemorativos, marcamos um encontro no tempo específico entre as gerações que se sucedem, criando uma ligação entre o passado e o presente. Essa data celebrativa, ou dia memorial, deve ser significativa para a sociedade e deve ter ressonância social.
Em alguns países de origem anglo-saxã, no dia 31 de outubro é comemorado o “Halloween”, com provável origem em um festival celta que marcava o fim do verão. O nome cristão desse festival (All Hallows’ Eve) foi uma tentativa de combater as práticas pagãs mas, por ironia do destino, acabou por marcá-las mais na memória coletiva.
Em Português essa festa passou a ser chamada de “Dia das Bruxas”, como se fosse uma data comemorativa de categoria profissional (Dia do comerciário, dia do dentista), mas com um significado diferente:a véspera do dia de Todos os Santos (31 de outubro) marcava o início de uma vigília que se estendia até o dia seguinte.
Acho que a substituição de símbolos pagãos, a perseguição e demonização de bruxas, e a própria transformação do festival original são bons exemplos de violação do direito à memória coletiva e desprestígio do patrimônio imaterial. Situação semelhante aconteceu com a “noite de Walspurgis”, igualmente transformada em festim diabólico pela Igreja Católica.
Recentemente (recentemente mesmo, pois quando eu era criança isso não acontecia), o Halloween começou a ser comemorado também no Brasil. Acredito que isso aconteceu por dois fatores: 1) em razão da pedagogia “feliz” que alguns CURSOS de idioma inglês utilizam, aproveitando essa manifestação cultural como recurso de aula; 2) porque é uma festa divertida, e os brasileiros estão sempre dispostos a praticar esse esporte.
Hoje o Halloween é comemorado nas escolas de ensino fundamental, com um sentido completamente diferente do que faziam os celtas e os cristãos. Na verdade, quando vejo todas aquelas crianças correndo atrás de doces, só um pensamento me vem à cabeça: Cosme e Damião.
Exatamente por causa de “Cosme e Damião” é tão confortável a idéia de distribuir doces a crianças em comemoração a espíritos. Então, para mim, essa distribuição de doces extemporânea (considerando que a comemoração tradicional ocorre em 27 de setembro), é apenas uma extensão da festa de ibeji.
Ou seja, há um motivo para essa festa ter sido incorporada alegremente no calendário não oficial de comemorações. Não é necessário criar um “Raloim”, para comemorar as assombrações brasileiras, criando uma “contra-festa”, como forma de resistência ao estrangeirismo desnacionalizante.
Fonte: Direito à Mémoria
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