Junior conta que tem dificuldades em interação social. “Quando estou com uma pessoa apenas, consigo colocar minhas ideias em ordem. Mas em grupo, tenho mais problemas”, diz. “Com anos de terapia, consigo conversar olhando nos olhos de alguém. Eu ficava observando meus colegas na escola para entender como eles funcionavam. Tento decifrar os gestos dos seres humanos de forma técnica, como se a gente fosse um algoritmo”, conclui.
O jovem relata que nunca conseguiu fazer amigos – apenas laços de amizade provisórios, de acordo com o ciclo social que está frequentando. “Eu achava que era frieza minha. Mas vejo hoje que não sei ler a linguagem corporal das pessoas e que isso não é um problema. Se eu fosse ator, tudo bem, me atrapalharia. Mas não vou ficar focando no que não é da minha natureza. Vou me dedicar ao que sou bom”, diz.
E ele é bom em informática, em programação, em cálculos. Estudou em escola pública no interior do Paraná e depois, morando no Rio de Janeiro, foi aprovado em arquitetura na PUC-Rio e na Universidade Santa Úrsula.
“Gosto de arte, mas não é minha área. Então desisti e, por recomendação da minha terapeuta, fui fazer teatro”, conta. Era uma tentativa de compreender melhor como as pessoas se relacionam e se portam em público. Por um ano e meio, enfrentou o desafio.
Ainda perseguindo o sonho de atuar na área da informática, Junior pesquisou sobre o mercado de trabalho e descobriu que não haveria profissionais capacitados para atender à demanda. “Decidi que ciência da computação tinha tudo a ver comigo. Entrei no cursinho, mas quase não fui às aulas. Paguei o curso para o ter material. Aí preferia fazer aulas particulares em casa. As salas lotadas e barulhentas me incomodavam”, lembra.
Junior foi aprovado, no início de 2018, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, instituição de ensino privada em São Paulo. Ele preferiu não declarar, no vestibular, que tem TEA. “Não fico comentando com as pessoas porque não tenho nenhum prejuízo cognitivo. Mas já conversei com um professor porque tenho dificuldade de fazer trabalho em grupo. Prefiro fazer sozinho”, conta.
Ele conta que está animado com o curso, apesar dos desafios. “Gosto muito de tecnologia e computação é o futuro. Posso trabalhar em qualquer lugar se souber programar. E é algo totalmente lógico. Tenho dificuldade de entender o que é mais abstrato”, diz.
“É difícil porque as pessoas fazem barulho na sala e sou sensível a sons. Mas sei que os alunos gostam de se relacionar. Então penso que é passageiro, para não me incomodar”, afirma. “Eu, por enquanto, não falei com ninguém. Só um ‘bom dia’ ou ‘boa tarde”, conta, rindo.
Ele ainda não conseguiu estabelecer uma rotina na universidade – o espaço é amplo e ele quer escolher sempre o mesmo portão por onde entrar.
Quando chega em casa, onde mora sozinho, pode seguir seu ritual. Almoça – em geral, o mesmo prato durante um mês. À tarde, Junior trabalha como analista de inteligência de mercado na empresa do pai. Depois, vai à academia e à terapia. “À noite, medito. Aprendi na internet”, diz.
Nos intervalos, o jovem estuda assuntos específicos com profundidade – uma das características da Síndrome de Asperger. “Por um mês, leio tudo o que é possível sobre o tema do momento. Já fiz isso sobre a Bíblia, sobre os egípcios. Agora é sobre cosmologia”, conta.
Ele sonha em se formar e abrir uma empresa de educação que use a tecnologia como pilar do ensino. “Mas é um passo de cada vez.”
‘Conselhos? Não sou péssimo’
Junior diz que é péssimo em dar conselhos. Mas se contradiz ao saber exatamente o que dizer a famílias de pessoas com autismo. “Pesquisem o que é o transtorno e vejam a pessoa como alguém que pode vencer obstáculos. Precisa ver o outro lado da moeda. Não dá para enxergar o autismo e esquecer que tem um ser humano ali”, diz. “Veja o quanto ela pode aprender. Só ver defeitos dificulta muito a evolução.”
FONTE: G1.COM
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