Silêncio. A pintora fechou os seus olhos lentamente, sofisticadamente, poeticamente. Chuvia naquela tarde de domingo. Ah! A chuva que inspira-nos. Ela refletiu a respeito das suas questões mais delicadas. Era difícil saber que o marido assumira a homessexualidade publicamente. Sentia-se humilhada, mas não odiava-o. Abriu os olhos. Agora era preciso seguir em frente, a cabeça erguida, as esperanças em dia.
Chuva. As crianças brincavam na chuva. Alegres, livres e abençoadas. Stela ficou olhando para a cena durante um longo tempo. No olhar, a vontade de sentir-se viva, útil e leve. Ela já sabia que o marido gostava de homens, mas não quis aceitar desfazer o noivado e todas as expectativas que criaram em torno deles. Afinal, eram bonitos, inteligentes e ricos.
Não culpava Fernando. Não nutria o desejo de vingança. De certa forma, era o que ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Ele tinha amantes. Ela sabia disso. Chorava. Sofria. Muitas vezes pensou em colocá-lo contra a parede, mas temia perder a razão e ficar louca. Sim. Louca. Como muitas mulheres já ficaram loucas por aí. Não queria perder a oportunidade de buscar outras possibilidades para refazer-se. Talvez um novo amor. Sim. Por que não? Ainda acreditava nele. E muito. O amor restaura-nos. É um sentimento extremamente bonito e poderoso.
Abriu a janela e admirou aquela manhã tão bela. Os pássaros. As nuvens. O ar fresco. O Sol. As malas já estavam prontas. O táxi logo ia chegar. E telefone tocou. Uma, duas, três vezes. Ela tinha receio de atender o telefonema. Podia ser ele. Ou não. Pensou por alguns segundos. Ligaram novamente. Aí ela atendeu. Era o namorado do seu ex-marido. Ela respirou fundo. Fechou os olhos e ouviu o seguinte:
– Me perdoa, Stela! Eu não sou tão ruim assim. Eu sei que parece estranho ligar e dizer isso, mas… ninguém é perfeito. Ninguém. O que eu quero é que você saiba que eu não tive a intenção de acabar com o casamento de vocês. Aconteceu. Eu não planejei isso tudo. Não. É sério! Se eu soubesse que ele fosse casado, eu… talvez…
Uma lágrima escorreu pelo rosto delicado de Stela.
– Você está perdoado! Vocês. E eu preciso de me perdoar também. Tudo isso é difícil. Complicado demais. Não quero julgar ninguém. Ninguém é perfeito. Você falou a verdade. Seja feliz. Muito feliz.
Ele não disse mais nada. Nem ela. Terminaram a chamada. E após uns dois segundos, o taxista buzinou. Ela pegou as malas rapidamente e foi em direção ao carro.
Quando o taxista desceu do automóvel, os dois ficaram surpresos. Eles já se conheciam. Sim. Guilherme não conteve o sorriso ao ver Stela tão elegante e bela. O vento realçava a beleza dos dois. Olharam-se profundamente.
– Você? Quanto tempo!
– Verdade. Mais de dez anos.
– Virou taxista? Você gostava muito de carros.
– Ainda gosto.
– Que bom!
– Só que eu não pretendo ser taxista por muito tempo. Apesar de achar legal sempre estar em movimento.
– Por quê?
– Ano que vem eu me formo.
– Sério?
– Sim, sim. Novos projetos virão. Foi uma luta. Você sabe. Eu não nasci numa família rica como você.
– Mas é um homem de fibra. Isso é muito importante. Já deve estar bem feliz ao lado de uma mulher bacana. Né? Filhos.
– Não. Nada disso.
Stela tentou disfarçar a felicidade ao ouvir tais palavras, mas foi impossível. Os seus olhos brilhavam.
– Foram anos lembrando de tudo o que aconteceu. De tudo.
Eu sei, Guilherme. Armaram para você. Para nós. Eu vi a verdade no teu olhar. Eu vi. Acontece que todos estavam contra você, te acusando. Aquela mulher era contratada. E o pior de tudo isso é saber que a minha mãe planejou todo aquele plano. Por raiva de você ser humilde. Você não me traiu. Não mesmo. Eu é que fiquei atormentada.
– Eu nunca te odiei por ter se casado com ele. Sabe? Ele é gay. É difícil ser gay no Brasil e no mundo. Mesmo que a gente esteja no século 21. Ele ficou desesperado em pensar na hipótese de virar piada na sociedade. Ele pertence a uma família muito importante. Você também. A dona Alice quis unir o útil ao agradável.
– Na visão dela o melhor para mim era viver uma vida repleta de ilusões e dores. Nós íamos nos casar. Lembra?
– Eu lembro.
– Só que aconteceu tudo ao contrário, Guilherme.
– Nem tudo. Nós estamos aqui.
– Eu sei.
– A injustiça não dura para sempre. Lembre disso. Vamos viver o amor. É tempo de amar.
E os dois sorriram e logo depois se beijaram. Era amor. Ah! O amor que vence as dificuldades da vida. O amor.
AUTOR: ALBERTO AYALA – FOLHA RONDONIENSE
FOTO MERAMENTE ILUSTRATIVA
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