Medida pode fazer o déficit primário ser superior aos R$ 32,5 bi de 2014
BRASÍLIA – Pressionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a equipe econômica considera a possibilidade de contabilizar já em 2015 todo o estoque das chamadas “pedaladas fiscais”. Caso o martelo seja batido, o resultado das contas públicas deste ano será um déficit bem superior aos R$ 32,5 bilhões, ou 0,63% do PIB, registrados em 2014.
Como informou O GLOBO, o governo começou a colocar em dia pagamentos de despesas represadas nos últimos anos. Até agosto, R$ 14,4 bilhões saíram dos cofres públicos para quitar dívidas com subsídios concedidos a programas — como o de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES e de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) — devidos até o fim 2014.
O problema é que também existe um passivo de quase R$ 40 bilhões que ainda não foi acertado. Ele se refere, principalmente, a subsídios concedidos ao PSI, do BNDES. Segundo portaria editada pelo Ministério da Fazenda em 2012, valores de equalização de juros devidos a partir daquele momento só precisariam ser pagos após 24 meses. Isso criou um estoque de despesas que ainda vão afetar as contas. Segundo os técnicos da equipe econômica, os pagamentos que já foram regularizados em 2015 — inclusive do PSI — colocam em dia fluxos atrasados pelas pedaladas, mas não os relativos à portaria de 2012.
TCU: PEDALADAS SÃO ILEGAIS
O TCU já considerou essas manobras ilegais e recomendou que seja contabilizado de uma vez todo o passivo acumulado. O governo já recorreu da decisão, mas o TCU ainda não se posicionou sobre o assunto. Parte da equipe econômica avalia que, como o resultado de 2015 será deficitário, seria melhor resolver a questão da pedalada de uma vez. A ideia é propor ao Congresso que esses gastos possam ser abatidos da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) deste ano.
Em julho, o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 para reduzir a meta de 1,19% do PIB para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB. E, preventivamente, incluiu no texto uma cláusula de abatimento da meta em caso de frustração de algumas receitas específicas. Assim, caso elas não se confirmem, seria possível abater do esforço um total de R$ 26,4 bilhões. Na prática, isso deu margem para que o resultado do setor público de 2015 seja um déficit primário de R$ 17,7 bilhões.
O problema é que a receita está abaixo do esperado, o que deve levar a um resultado ainda pior. Assim, avaliam os interlocutores do governo, seria melhor elevar a cláusula de abatimento explicando que o abatimento se refere especificamente ao acerto de contas recomendado pelo TCU.
ECONOMIA ENCOLHE EM AGOSTO
A retração da economia brasileira em agosto foi maior que a esperada pelos analistas. A atividade caiu 0,76% no mês, segundo o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central, o terceiro mês seguido de queda. A expectativa dos economistas do mercado financeiro era de baixa de 0,6%.
ANTONIO CORRÊA DE LACERDA
BRASÍLIA – Não se questiona a competência técnica do ministro Joaquim Levy. Ele é muito preparado, tem experiência no governo e no setor privado. O que houve foi um erro de diagnóstico na escolha de alternativas de política econômica. É incoerente com o objetivo de se fazer um ajuste fiscal se apoiar em cortes de investimentos e gastos sociais. E ainda combinar isso com elevação brutal das taxas de juros.
O Brasil já tinha uma das mais elevadas taxas de juros do mundo e, ainda assim, vem promovendo elevação de juros. É o único país do mundo que está fazendo isso, nenhum outro, porque o cenário internacional é muito adverso. Essa elevação da taxa de juros, combinada com a contração dos investimentos públicos e gastos sociais, teve efeito perverso sobre o nível de atividade, com queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 3% e queda significativa dos investimentos em geral, também pelo efeito da operação Lava-Jato. A combinação desses fatores com o cenário externo adverso para o Brasil: desaceleração chinesa, crise na Argentina e o efeito deletério sobre as exportações inviabilizaram a atividade brasileira.
É um contra-senso fazer o ajuste no sentido lato. A elevação de juros deprime o nível de atividade e os investimentos e, com isso, derruba a arrecadação do governo. O objetivo do ajuste se torna inconsistente, quando se adota uma política que pega uma economia já deprimida, que já vinha desacelerando em 2014. Só o componente juros significa um acréscimo de despesas de R$ 240 bilhões em 2015, em relação a 2014. O aumento da dívida em relação ao PIB é observado com lupa pelas agências de classificação de risco.
Isso tudo tornou muito frágil a posição de Levy e do presidente do Banco Central ( Alexandre Tombini). Erro de diagnóstico e erro de terapia. O prognóstico adotado é inadequado para um país com as características do Brasil. Ficou muito difícil para o governo sustentar o ajuste pretendido nessas condições.
Antonio Corrêa de Lacerda é economista e professor da PUC-SP
CARLOS EDUARDO DE FREITAS
BRASÍLIA – O problema do ministro Joaquim Levy está na origem, quando aceitou o convite.
Aceitou, aparentemente, sem ponderar que ajustes costumam colocar pobres e ricos contra o governo, que a turbulência é grande. Associações patronais e sindicatos de empregados se revezam nas críticas, ao mesmo tempo em que as greves se sucedem. Tudo isso fica pior quando o governo nasce de uma campanha eleitoral que pregava o oposto. Teria dito isso com todas as letras à presidente?
Aceitou, tudo indica, sem exigir delegação de competência para tomar todas as providências que entendesse necessárias à correção dos desequilíbrios e colocação da economia em marcha de recuperação. Sem requerer o poder de indicação para todos os cargos-chave da equipe econômica, ou seja, sem receber os galões de CEO da política econômica. Sem dizer com todas as letras que seu compromisso era com o futuro e não com o passado, principalmente com o período mais recente de equívocos da política econômica. E que quaisquer hesitações resultariam em demissão imediata.
Mas, se o CEO é fundamental para cuidar dos aspectos técnicos, não é ele quem faz o ajuste. Quem faz o ajuste é o chairman – no caso a presidente da República. Assim foi com Joaquim Murtinho e Campos Salles, com Eugênio Gudin e Café Filho, com Gouveia de Bulhões/Roberto Campos e Castello Branco. Com Pedro Malan/Arminio Fraga e Fernando Henrique Cardoso. Não funcionou com Mário Henrique Simonsen e João Batista Figueiredo porque o presidente não acreditava na política de reequilíbrio da economia.
Quem negocia politicamente com o Congresso, que é a caixa e ressonância da sociedade, é a presidente. Quem joga todo o seu peso, influência e poder no apoio irrestrito ao CEO é a Presidente. O problema é que ninguém sabia quem era o CEO e quem era o chairman.
Pior ainda, parece que se confundiam na mesma pessoa.
Fixação de metas sem estudos prévios mais aprofundados, contradições, como no caso da CPMF, refletiram num convite cuja aceitação começou errada e daí faltou apoio da presidente a um ajuste no qual não acredita. O ministro, a meu ver, perdeu condições de permanecer. Sua saída parece inevitável, o que é uma lástima. Era a pessoa certa no lugar certo, por sua competência profissional experiência, formação e honestidade.
Carlos Eduardo de Freitas é ex-diretor do Banco Central
MARGARIDA GUTIERREZ
BRASÍLIA – A questão fiscal hoje é o problema mais urgente que o Brasil tem pela frente para resolver.
Alguns números ilustram o desajuste que as contas públicas vêm sofrendo nos últimos quatro anos. Segundo os dados do Banco Central, a dívida bruta de boverno medida em relação ao PIB saltou de 52,16% em agosto de 2011 para 65,29% em agosto de 2015. Este nível de endividamento público põe o Brasil numa posição nada confortável. Segundo o FMI, e considerando apenas os países emergentes, o nosso grau de endividamento só não é maior que o da Ucrânia (94,4%), Egito (90%), Croácia (89,3%), Sri Lanka (76,7%) e Hungria (75,3%).
A média de endividamento público das economias latino-americanas situa-se hoje em torno de 55% do PIB. Qual é o problema de ter um grau de endividamento tão mais alto que em outras economias? O problema é que, na ausência de uma sinalização clara de que a política fiscal vai mudar e que será capaz de reverter a trajetória crescente da dívida pública, os prêmios de risco no mercado doméstico e nos mercados internacionais começam a subir, sinalizando o receio de que, em algum momento, o governo não terá condições de honrar os compromissos com seus credores.
O receio é que os mecanismos clássicos de financiamento do déficit e de rolagem da dívida pública, via colocação de títulos em mercado, possam se tornar caros demais, pois o mercado passa a exigir prêmios de risco proibitivos. Nesse contexto, o governo é obrigado a adotar soluções alternativas que reduzam a dívida, com consequências desastrosas para a economia, tais como: a monetização da dívida (emissão de moeda), o aumento da inflação (que corrói o valor da dívida) ou, como último recurso, a moratória.
Ainda não chegamos a esse ponto, mas todos estamos assistindo a uma deterioração crescente dos indicadores de confiança no Brasil, que, inclusive, chegaram a cair ao longo do primeiro semestre deste ano, mas voltaram a subir a partir da decisão do governo de anunciar um déficit primário para 2016.
Houve uma elevação do risco Brasil, da taxa de câmbio e dos juros nos mercados futuros (que estão em torno de 16% , quando projetados para os próximos três anos), contaminando também as expectativas de inflação.Independentemente de quem seja o responsável pela formulação da política fiscal, o governo deve demonstrar que, de fato, está comprometido com o retorno dos superávits primários a partir de 2016.
Sem isso, não recuperaremos a confiança do setor produtivo na economia brasileira. O ministro Joaquim Levy iniciou o necessário ajuste fiscal, mas as dificuldades que tem enfrentado são enormes, agravadas pela crise política que se instalou em nosso país e pela falta de apoio que tem dentro do próprio Executivo. Sua eventual saída sinalizaria que o governo não está convencido da urgência do ajuste fiscal para evitar a escalada da dívida pública.
Margarida Gutierrez é professora associada do Coppead/UFRJ
AMIR KHAIR
BRASÍLIA – Eu não vejo sentido desde o começo na inflexão que a presidente fez logo após a eleição, não apenas por questões politicas, mas também por questões técnicas. O Brasil já estava inserido em um processo recessivo, num quadro fiscal grave. O erro da inflexão é pensar que você consegue com redução de despesas no governo federal obter equilíbrio nas contas públicas, por três razões.
Primeira, o governo federal é responsável por apenas 36% da despesa pública não financeira, 64% são de competência constitucional de estados e municípios que gozam de autonomia para realização de suas receitas e despesas. Além disso, o Orçamento federal é engessado por legislação em 90% das suas despesa.
Assim, seria possível atuar apenas sobre 3,6% da despesa do setor público. Ocorre que nos 10% do orçamento passível de mudança a maior parte são os investimentos do governo federal. Você não tem área de manobra e qualquer tentativa no Congresso é desgaste certo, é o que está acontecendo nesses oito meses com intensidade.
Segunda, parece que o ministro desconhece que nos oito meses deste ano o déficit é de R$ 339 bilhões, dos quais R$ 338 bilhões são juros e apenas R$ 1 bilhão é déficit primário (do setor público). Não saber avaliar o impacto dos juros é não ter responsabilidade fiscal ou não trabalhar com austeridade fiscal.
Terceira, no governo federal, o que está realmente piorando as contas públicas é a queda de arrecadação e não o aumento de despesas. O ministro Joaquim Levy errou três vezes e, por conta disso, o selo de qualidade que ele deveria trazer e poderia evitar o rebaixamento da nota de risco já foi embora e ele não aventou nenhuma política que procurasse retomar o crescimento econômico. O crescimento, segundo Levy, viria com a melhoria das contas públicas e com a retomada do ânimo dos empresários. As contas pioraram, como mostra a evolução forte da relação dívida/PIB, que está em 65,3% e com a Selic elevada, a causa principal do problema fiscal, essa relação tende a furar os 70% no primeiro semestre do ano que vem.
A tentativa da equipe econômica e da presidente Dilma fracassou, pelo caminho escolhido. Não demonstraram responsabilidade fiscal. O Brasil merece um ministro da Fazenda e uma política econômica mais próxima da economia real e não do mercado financeiro.
Amir Khair é mestre em finanças públicas pela EAESP/FGV e consultor na área fiscal, orçamentária e tributária
Fonte: oglobo
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