Uma vez que a Bíblia é o livro mais lido de todos os tempos e que milhões de pessoas o leram por séculos, encontrar algo de novo em suas páginas é um achado que pode ser classificado como peculiar.
Tal feito raro pode ter sido conquistado recentemente por cientistas – e, caso a “descoberta” se confirme, pode ajudar a dar mais precisão a datas de eventos da Antiguidade e a ajustar os dados que temos sobre a rotação da Terra.
Trata-se de um eclipse solar anular (quando a Lua encobre apenas o centro do Sol, permitindo aos observadores na Terra verem nos céus algo como um “anel de fogo”), que teria ocorrido no meio da tarde do dia 30 de outubro de 1207 a.C..
Curiosamente, para chegar a uma data tão precisa sobre um evento que ocorreu há 3.224 anos, o físico Colin Humphreys, diretor de pesquisas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e o astrofísico Graeme Waddington se basearam em uma passagem do Antigo Testamento que diz:
Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, Lua, sobre o Vale de Aijalom.
E o Sol se deteve, e a Lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos.
Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.”
Livro de Josué (10:12-14)
“Se estas palavras estavam descrevendo uma observação real, então um importante evento astronômico ocorreu. O que tivemos que fazer foi entender o que o texto realmente significava”, explica Humphreys, um entusiasta da conexão entre o conhecimento científico e a Bíblia.
Um escurecimento
Humphreys e Waddington não foram os primeiros a pensar que esta passagem, aparentemente tão mística, poderia se referir a um fenômeno natural que realmente aconteceu – milagrosamente ou não.
“A primeira pessoa a sugerir que Josué 10:12-14 estava se referindo a um eclipse solar”, ressaltam eles, “parece ter sido o linguista Robert Wilson (1918), que fez a seguinte tradução há quase cem anos:
‘Eclipse, ó Sol, em Gibeão,
E a Lua no Vale de Aijalom.
E o Sol foi eclipsado e a Lua virou-se, enquanto a nação se vingou de seus inimigos’.”
Como Wilson, Humphreys e Waddington voltaram ao texto original e perceberam que as palavras em hebraico davam margem para uma outra interpretação.
As traduções correntes deste trecho, dizem os autores em seu estudo, “assumiram que, pelo texto, o Sol e a Lua pararam de se mover. No entanto, um significado alternativo plausível é que o Sol e a Lua deixaram de fazer o que é de seu costume: pararam de brilhar”.
No século 20, Wilson havia chegado à mesma conclusão, observando ainda que, nos textos astronômicos babilônicos, havia palavras que significavam “escurecer” e que tinham a mesma raiz dos termos usados na Bíblia para descrever a ação do Sol e da Lua.
No entanto, naquela época, não era possível fazer uma investigação profunda devido à natureza dos cálculos necessários – um problema agora superado.
Estela de Merneptá
Outro texto importante para apoiar esta interpretação é egípcio e foi escrito em pedra.
Nela, é comemorada uma vitória militar do faraó nas terras de Canaã por volta de 1210 a.C. – por isso, também conhecida como Estela da Vitória.
Depois de mencionar vários outros povos derrotados, as inscrições dizem: “Israel está devastada, sua semente já não existe” (é o primeiro registro de Israel, por isso o ítem é também conhecido como Estela de Israel).
Na mesma placa de granito, há a informação de que o objeto foi talhado no quinto ano do reino de Merneptá, o que confirma que os israelitas realmente estavam em Canaã na data do eclipse.
Anel de fogo
A partir desse conhecimento extraído de textos antigos, Humphreys e Waddington decidiram seguir por uma trilha não explorada.
Antigamente, as mesmas palavras eram usadas para descrever eclipses totais e anulares.
Além disso, os pesquisadores desenvolveram um novo compêndio de eclipses que leva em consideração variações na rotação da Terra ao longo do tempo.
Assim, eles foram capazes de determinar que o único eclipse anular visível em Canaã entre 1500 e 1050 a.C. foi em 30 de outubro de 1207 a.C., de tarde.
Grandes mudanças previstas
Os resultados do trabalho foram publicados pela Royal Astronomical Society, Astronomy & Geophysics para serem revistos por outros especialistas.
Se os argumentos receberem a aprovação da comunidade científica…
• O eclipse bíblico seria o mais antigo já registrado;
• Permitiria que pesquisadores datassem o reinado de Ramsés, O Grande e seu filho Merneptá com uma precisão de mais ou menos um ano.
“Os eclipses solares são frequentemente usados como eventos fixos que permitem estabelecer datas do mundo antigo”, explica Humphreys.
Mesmo entre egiptólogos, as datas exatas dos reinados dos faraós são difíceis de precisar – mas este novo cálculo feito a partir de interpretações de um trecho da Bíblia pode ajudar na tarefa.
Fonte: BBC
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