Boliviano estuda a planta no Brasil central. Trabalho pode servir de referência para estudos de melhoramento genético da raiz cultivada
Na região da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso de Goiás (GO), foi encontrada uma planta que cresce em locais com altitudes de mil a 1050 metros. Em média, sua altura varia de 40 a 70 centímetros. Entre outubro e novembro, ela entra em fase de florescência, resultando em um tipo de “fruto” em tons amarelo-esverdeados que pende de sua parte aérea.
É uma espécie considerada “robusta”, vindo daí o seu nome: Manihot robusta (veja detalhamento abaixo). Mesmo bem diferente da raiz que costumamos ver, para a ciência, essa planta é um parente silvestre da mandioca, um dos nove que o agrônomo boliviano Moises Mendoza identificou só no Brasil central e vem descrevendo há quase dois anos.
“A região tem se mostrado um importante centro de diversidade do gênero”, escreveu, em um trabalho publicado em 2015. No artigo, estão descritas a robusta e duas espécies (Manihot debilis e Manihot minima) encontradas na Chapada dos Veadeiros e classificadas no gênero Manihot, ao qual pertence a mandioca cultivada em todo o Brasil e bastante usada na alimentação.
A variedade de espécies foi o que motivou o agrônomo boliviano Moises Mendoza a estudar a mandioca e seus parentes silvestres no Brasil. E Goiás tem se mostrado terreno profícuo. Dos 87 tipos de Manihot relacionados até hoje na Lista de Espécies da Flora Brasileira – com consulta aberta pela internet – 57 estão no Centro-oeste, sendo 50 no Estado.
Seis desses registros são de espécies identificadas pelo pesquisador boliviano. Além das encontradas na Chapada dos Veadeiros, estão outras três descritas também em 2015 como originárias de municípios como Cavalcanti e Uruaçú: Manihot erecta, Manihot glauca e Manihot inflexa.
As descobertas mais recentes foram publicadas em setembro de 2016. São mais três na região da Serra do Tombador, também em Goiás: Manihot ebracteata, Manihot purpurea e Manihot tombadorensis. Todas são bastante diferentes da mandioca, mas têm parentesco com a raiz alimentícia. “Imaginei que ia encontrar espécies novas quando cheguei aqui, mas identificar nove superou minha expectativa. Acredito que deva ter mais”, diz o agrônomo.
Pesquisador associado ao Museu de História Natural Noel Mercado, ligado a uma universidade pública em Santa Cruz, na Bolívia, Mendoza iniciou seu trabalho científico com a mandioca em 2006. Na sua terra natal, ele já participou da publicação de um catálogo de espécies. Natural de Potosi, distante 538 quilômetros de La Paz, saiu do país em 2012 para estudar na Universidade de Brasília (UnB), onde concluiu o mestrado e cursa o doutorado em botânica.
Mendoza é um estudioso conhecido como taxonomista. Identifica características e dá nome às espécies conforme as normas válidas cientificamente. Nomear parentes silvestres da mandioca é a base do seu trabalho para obter o título de doutor. Estudando o gênero Manihot, pretende revisar a classificação e, eventualmente, corrigir erros de especificação.
O agrônomo conta que, ao longo do tempo, algumas espécies receberam dois ou até três nomes diferentes. Ou duas espécies até de regiões diferentes chegaram a ter o mesmo nome. Pesquisas posteriores acabam se baseando na taxonomia existente. “Percebi que esse grupo de plantas tem muitos problemas de nomenclatura e seria interessante fazer um trabalho sobre isso. Minha pesquisa é para identificar as espécies de forma correta”, diz ele.
A revisão dessa nomenclatura foi o que o levou a identificar plantas antes desconhecidas. O trabalho, feito nos laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Tecnologia, em Brasília (DF), relaciona uma série de características, conciliando o conhecimento prévio do pesquisador com análise de campo, observação em herbário e comparação por meio da genética molecular.
Essa última fase, especificamente, envolve o estudo das relações evolutivas entre espécies, a chamada filogenia. A ideia é traçar uma “árvore genealógica” da planta e, com isso, mapear o gênero ao qual pertence, seus ancestrais e descendentes. O avanço da tecnologia ao longo do tempo tem tornado esse trabalho mais eficiente.
“Antes isso era feito com base apenas na morfologia da planta, no visual. Hoje, com o avanço das pesquisas genéticas, é com base no DNA”, explica Taciana Cavalcanti, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e orientadora de doutorado de Mendoza.
Para fazer a análise do código genético, explica Taciana, é utilizado um sistema de computador. O programa calcula a relação entre as espécies como base em marcadores moleculares, genes que servem como referência.
Quanto mais perto de 1 for o resultado, maior é a relação genética e a chance de parentesco. Consequentemente, melhor é o mapeamento das plantas e maior a possibilidade de trabalhos como o de Mendoza refletirem, no futuro, no campo, no melhoramento da mandioca, diz a pesquisadora da Embrapa.
É comum, diz ela, buscar em espécies silvestres características que enriqueçam as cultivadas. Uma pode fornecer à outra, por exemplo, um gene que confira maior resistência a doenças ou que aumente alguma propriedade nutricional.
“A mandioca é importante para a alimentação. É muito importante melhorar esse tipo de alimento ou por cruzamento ou por biotecnologia”, diz Taciana Cavalcanti. “Quanto mais geneticamente relacionados, é melhor. As espécies mais próximas da mandioca podem ser usadas nesse melhoramento”, acrescenta.
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