Negligência, agressão psicológica e violência física são as violações mais relatadas
Mãe de três filhos, de 7,8 e 12 anos, Maria (nome fictício) foi denunciada no ano passado pelos vizinhos por negligência. Sem parentes ou amigos que pudessem ficar com as crianças, ela costumava as deixar sozinhas em casa para buscar terapias e consultas médicas para o menino mais novo que foi diagnosticado com autismo.
Situações como a dessa família não são raras no Brasil. O Disque 100, canal do Ministério de Direitos Humanos, recebeu 144.580 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes em 2016. São 396 ocorrências por dia ou 16 a cada hora.
O dado integra o Cenário da Infância e da Adolescência no Brasil, elaborado pela Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo), que será lançado nesta terça-feira, 24. Dentre as denúncias recebidas pelo Disque 100, a maioria (71,3%) é por negligência, seguido de agressão psicológica (44,5%) e violência física (42,1%) – em uma ocorrência podem ser informados mais de um tipo de violação.
“O número de denúncias é muito alto, mas, infelizmente, acreditamos que ainda esteja subestimado. Muitas das violências contra a criança não são denunciadas. Em parte porque a agressão ocorre dentro de casa, mas também porque muitas pessoas ainda pensam que não devem interferir no ambiente familiar”, diz Heloisa Oliveira, administradora executiva da fundação.
Ela ainda ressalta que normalmente as crianças e adolescentes mais vulneráveis aos maus tratos são aquelas que já tiveram outros direitos violados pelo Estado, como acesso à educação, saúde e assistência social. O estudo mostra que no País há 5,8 milhões de crianças entre 0 e 14 anos (13,7% do total dessa faixa etária) vivendo em situação de extrema pobreza e 2,55 milhões entre 5 e 17 anos que trabalham.
“Há uma ausência de políticas estruturantes, com um olhar multissetorial, para proteger essas crianças. Possivelmente essas vítimas, que sofrem em casa, também não tiveram acesso à creche, lazer, esportes, condições sociais dignas”, afirma Heloisa.
Apesar das denúncias contra Maria, a situação da família só mudou quando a direção da escola das crianças acionou o Conselho Tutelar e o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) para entender o que ocorria na casa. “Percebemos que ela tinha dificuldades financeiras, falta de apoio e até de informação sobre o que ela tinha direito. Ela não queria causar mal às crianças, estava fazendo o que acreditava ser melhor por não ver opções”, conta Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Infante Dom Henrique, no Canindé, região central de São Paulo.
Sem ter quem cuidasse das crianças e por não saber quais serviços de saúde buscar o atendimento para o menino mais novo, ela deixava os filhos sozinhos em casa e eles muitas vezes faltavam à escola por não ter quem os levasse. “Como fizemos uma reunião com profissionais de várias áreas, elas recebeu as informações que precisava e foi encaminhada para os serviços corretos”, conta Silva Neto.
Além do atendimento médico para o caçula, os dois filhos mais velhos também foram encaminhados para pediatras e psiquiatras. “Como eles faltavam muito, o desenvolvimento deles também estava sendo comprometido. A família toda sofria com o abandono social”, diz o diretor.
Segundo dados do ministério, os principais suspeitos/denunciados são as mães (41% dos casos) e pais (18%) e mais da metade dos casos (53%) são de ocorrências na própria casa da criança. “Os dados mostram que quem agride é quem deveria proteger essas crianças. Por isso, a importância de capacitarmos quem trabalha nas escolas e unidades de saúde para que saibam identificar os sinais de violência. Precisamos de um esforço em conjunto para reverter esse quadro tão triste”, diz Heloisa.
FONTE: ESTADÃO CONTEÚDO
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