Segundo o empreiteiro, Aécio “sempre se mostrava disposto a atender as solicitações de apoio que lhe eram feitas pelo Grupo Odebrecht” ou pelo próprio Marcelo
Em depoimento prestado à Polícia Federal por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal), o empreiteiro Marcelo Odebrecht, 49, afirmou que “investia” no senador Aécio Neves (PSDB-MG), então governador de Minas Gerais, por seu “grande capital e potencial político”. Por isso, segundo Marcelo, ele orientou seus executivos a serem “mais generosos nas doações de campanha”.
Em contrapartida, segundo o empreiteiro, Aécio “sempre se mostrava disposto a atender as solicitações de apoio que lhe eram feitas pelo Grupo Odebrecht” ou pelo próprio Marcelo.
O depoimento foi prestado no último dia 16 de novembro na Superintendência da PF em Curitiba (PR) e anexado aos autos da investigação na tarde desta quarta-feira (20).
O dono da Odebrecht, que fechou um acordo de delação premiada com a PGR (Procuradoria-Geral da República), disse ainda que as contribuições eleitorais “que eram concedidas por solicitação de Aécio” deveriam ser “relativamente maiores do que quando se compara com outros políticos”.
Segundo Marcelo, havia uma “grande perspectiva no futuro” da relação com o político.
Marcelo disse que conheceu Aécio por volta de 2001 ou 2002, quando o tucano ainda era deputado federal. A partir de 2006, a relação ganhou “um cunho mais pessoal”, pois ele recebia Aécio em sua casa “para encontros onde conversavam sobre política de uma forma geral, sobre o projeto político de Aécio, que mirava a Presidência da República”.
Também falavam sobre “os conflitos que havia entre” Odebrecht, a empreiteira Andrade Gutierrez e a Cemig, central elétrica do governo mineiro, além de “temas pontuais e relevantes que algum empresário da organização pedia apoio” a Marcelo. Citou como exemplo “a aprovação, pelo Senado, da entrada da Venezuela no bloco do Mercosul”. Outros pontos eram “algum apoio em atos legislativos de interesse do grupo Odebrecht” e “exercer influência junto a algum político de sua base”.
Cidade administrativa
O depoimento foi prestado no inquérito que tramita no STF para apurar as obras de construção da Cidade Administrativa, sede do governo de Minas Gerais feita durante a gestão de Aécio como governador do Estado (2003-2010). A investigação foi aberta a partir das declarações feitas por dois executivos que também fecharam acordo dedelação premiada, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o “BJ”, 57, e Sérgio Luiz Neves, 57.
Marcelo Odebrecht disse que não tinha informações sobre eventual propina paga a Aécio porque atribuiu aos dois executivos o papel de tratar da obra da Cidade Administrativa.
Em seus depoimentos, prestados em junho à PF, tanto “BJ” quanto Sérgio confirmaram que a Odebrecht foi instada a pagar 3% de propina a propósito da participação da empreiteira na construção da Cidade Administrativa.
A parte destinada à Odebrecht custaria inicialmente R$ 90 milhões, de um lote total de R$ 300 milhões que depois subiu para R$ 350 milhões. Assim, a Odebrecht deveria pagar cerca de R$ 2,7 milhões em propina. Toda a obra, feita por outras empreiteiras, custaria R$ 1 bilhão, o que projetava uma propina de R$ 30 milhões, segundo os delatores da Odebrecht.
“BJ” disse que, no início do segundo mandato de Aécio, em 2007, ele foi “convocado para uma reunião no Palácio das Mangabeiras”, sede do governo estadual, na qual o governador mencionou sua intenção de construir um centro administrativo e teria dito que “desejaria que a Odebrecht participasse desse projeto”.
Segundo “BJ”, na mesma reunião Aécio “solicitou que algum representante da Odebrecht procurasse Oswaldo Borges da Costa Filho, então presidente da Codemig, para tratar da participação da Odebrecht na obra”. A Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de MG) era a estatal responsável por licitar e coordenar as obras da Cidade Administrativa.
Sérgio Neves, que era diretor superintendente da Odebrecht para Minas Gerais e Espírito Santo, disse à PF que “BJ” o “incumbiu” de procurar Costa Filho, “pessoa indicada por Aécio Neves”, com o objetivo de “determinar os detalhes da participação da Odebrecht” nas obras.
‘3%’
A partir daí, segundo Sérgio Neves, houve reuniões entre ele e Costa Filho na sede da Codemig, em Belo Horizonte (MG). Costa Filho “definiu” que o valor do lote destinado à Odebrecht seria de R$ 90 milhões e que haveria um pagamento de “3% sobre o valor da participação da Odebrecht na obra a título de propina”.
Costa Filho teria dito que o dinheiro, segundo Sérgio, seria “utilizado para as futuras campanhas eleitorais de Aécio Neves e seu grupo político”. Conforme Sérgio Neves, Costa Filho era “homem de estrita confiança de Aécio”, de quem seria “contraparente”, e “uma pessoa abastada”, dono de concessionárias da Mercedes Benz em Minas Gerais.
Sérgio Neves contou que a Odebrecht também atuou durante a formatação do edital de licitação da obra, e suas sugestões foram “acatadas e incluídas no edital”. Sérgio Neves disse à PF que os pagamentos foram acertados com o SOE (Setor de Operações Estruturadas) da empreiteira, responsável pelo pagamento de propinas e caixa dois a políticos. Como o SOE tinha “dificuldades para operacionalizar pagamentos fora do eixo Rio-São Paulo”, segundo Sérgio, Costa Filho indicou “o nome de um ‘doleiro’ de sua confiança para o recebimento dos valores”.
O executivo da Odebrecht disse que não se recordava do nome correto do doleiro, que passou a receber transferências de uma “rede de doleiros” que trabalhava para o SOE, num sistema de compensação paralelo.
Consultando o sistema interno da Odebrecht, Sérgio acredita que esse doleiro possa se chamar “Tutar”. Sérgio Neves explicou à PF que passava a Costa Filho uma senha para que ele tivesse acesso aos valores.
Em 30 de novembro, a PF tomou depoimento da secretária de Costa Filho no período em que ele presidiu a Codemig, Sandra Maria Bernardino. Ela confirmou que “Sérgio Neves, diretor superintendente da Odebrecht em Minas Gerais, já esteve no prédio da Codemig, sem ser registrado, como era praxe para aqueles que visitavam a diretoria”. A secretária disse que era ela que autorizava a entrada, pela garagem, de representantes de empreiteiras sem que fossem registrados na portaria.
Outro lado
Em nota à reportagem, a defesa do senador Aécio Neves afirmou que “em diversos depoimentos, Marcelo Odebrecht afirmou que jamais obteve qualquer contrapartida ou benefício do senador Aécio Neves, assim como depoimentos de Benedicto Júnior demonstram que ele nunca tratou de nenhum assunto irregular com o senador”.
A defesa confirmou que o então governador encaminhou os executivos da Odebrecht para Oswaldo Costa Filho, pois ele era o responsável por obras no Estado, mas negou qualquer irregularidade. “O então governador Aécio Neves limitou-se a encaminhar ao então presidente da Codemig, empresa responsável por obras de infraestrutura no Estado, Oswaldo Borges, os interessados em conhecer os projetos da empresa. Todos os procedimentos licitatórios ocorridos durante seu governo se deram de maneira absolutamente legal e transparente, tendo sido analisados e aprovados pelos órgãos de controle competentes.
A obra da Cidade Administrativa teve edital apresentado ao MP e Tribunal de Contas, foi entregue no prazo e sem que fosse praticado sequer o aditivo de 25% autorizado por lei”, disse a defesa do senador.
“Quanto à afirmação feita pelo delator Sérgio Neves, ela vem desacompanhada de qualquer fato que a comprove e já foi cabalmente desmentida por Oswaldo Borges”, afirmou a assessoria.
Segundo a defesa, “a mesma questão foi tratada como manchete da Folha [de S.Paulo] em fevereiro deste ano, não havendo qualquer nova informação relevante sobre o assunto”.
A reportagem citada pela defesa, contudo, não aborda o depoimento prestado por Marcelo Odebrecht, em novembro, e os de Benedicto Júnior e Sérgio Neves, de junho.
Procurada pela reportagem, a advogada de Costa Filho não foi localizada nesta quarta-feira (20) para comentar a investigação.
FONTE: FOLHAPRESS
Add Comment