Necessidade de ir às cidades para receber recursos emergenciais e benefícios contraria orientação de não deixar aldeias para evitar a disseminação do novo coronavírus
Lideranças, governo e pesquisadores temem que o pagamento de benefícios sociais e o anúncio de um auxílio emergencial para mitigar efeitos do novo coronavírus atraia indígenas às cidades da Amazônia em meio ao avanço da epidemia na região. Em alguns municípios do Amazonas, estado que tem o quarto maior número de casos da doença, indígenas estão sendo orientados a não irem às cidades e, aqueles que estão nos centros urbanos, receberam a recomendação para ficar em isolamento até voltarem às aldeias. A Fundação Nacional do Índio (Funai) vem pedindo aos índios que evitem ir às cidades e “não se desesperem”.
O Amazonas, que concentra a maior população indígena do Brasil, tem o quarto maior número de casos registrados (804) e a maior taxa de incidência da doença do país (19,1 casos/100 mil habitantes).
O estado também tem pelo menos quatro casos confirmados de indígenas infectados pela doença. Os povos indígenas são tidos como população particularmente vulnerável ao Covid-19 por conta do histórico das etnias em relação a outras síndromes gripais como a Influenza A e B e o H1N1. Até quarta-feira (8), o Brasil tinha sete casos confirmados de indígenas com a doença.
Uma das maiores preocupações de lideranças, pesquisadores e do próprio governo neste momento é que o hábito dos indígenas de viajarem, pelo menos uma vez ao mês, às cidades da região amazônica para sacar benefícios sociais como pensões, aposentadorias e o Bolsa Família, seja intensificado em meio a epidemia depois que o governo anunciou o pagamento de um auxílio emergencial de R$ 600 para mitigar os efeitos econômicos causados pelo novo coronavírus.
O temor é que, ao chegarem nas cidades, os índios entrem em contato com pessoas infectadas com a doença e, ao retornarem para suas aldeias, se transformem em vetores de contaminação em áreas isoladas e onde a infraestrutura de saúde é precária. Como a maioria das aldeias na Amazônia fica áreas remotas e com estrutura de saúde precária, o temor é que a doença se alastre causando um número elevado de mortes.
“Com o anúncio do auxílio emergencial de R$600,00 a famílias carentes, é possível se intensifique o fluxo de indígenas para os municípios em busca do benefício. Por um lado, esse fenômeno pode ampliar o acesso de famílias indígenas à renda, mas também pode aumentar exponencialmente as chances de exposição ao coronavírus e o consequente contágio e adoecimento – afirmou o médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Basta, que estuda a saúde indígena há pelo menos 15 anos.
Basta se diz preocupado especialmente porque os povos indígenas, tradicionalmente, não têm proteção imunológica para se defenderem de organismos como o novo coronavírus.
“A maioria dos povos indígenas que vivem no Brasil não têm imunidade para enfrentar diversos micro-organismos, sobretudo vírus emergentes, como o novo coronavírus. Esta característica biológica favorece o espalhamento da epidemia, assim como as manifestações clínicas graves da doença e ocasionar um elevado número de óbitos”, explica.
O secretário especial de Saúde, Robson Silva, diz estar ciente dos riscos causados pela ida dos índios às cidades e afirma que vem trabalhando junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) e às lideranças indígenas para orientar os índios que não viajem aos centros urbanos enquanto não for seguro.
“Nós estamos preocupados com essa situação, sim. Sabemos que os índios vão às cidades em busca de benefícios. Mas, estamos fazendo um trabalho muito forte orientando o pessoal pra não irem a esses centros para evitar espalhar a doença nas aldeias”, afirmou o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Silva.
Apesar de a Fundação Nacional do Índio (Funai) ser a entidade responsável pelas terras indígenas, é a Sesai que executa a política de saúde indígena.
Robson afirma que a Sesai também pediu às lideranças que impeçam o acesso das comunidades por não-índios como medida de proteção ao ingresso da doença. Ele reconhece que o impacto de uma epidemia como essa nas populações indígenas seria trágico, mas diz que, no momento, não há motivos para pânico.
“A gente sabe das consequências que a chegada dessa epidemia pode ter, mas estamos monitorando a situação e não há motivos para pânico. Todos os casos estão sendo acompanhados”, afirmou.
Nos últimos dias, representantes da Sesai, da Funai e do Ministério da Cidadania, responsável pela operacionalização do pagamento tanto do Bolsa Família quanto do auxílio emergencial, se reuniram para discutir alternativas para evitar a ida dos índios às cidades.
Para o líder indígena Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), o perigo que essas viagens podem representar é real, sobretudo no oeste do Amazonas, região que concentra a maior quantidade de registros de povos isolados do Brasil.
“O perigo é enorme, mesmo, sobretudo na região do Vale do Javari. A gente está orientando que os indígenas não desçam o rio em direção às cidades e, aqueles que estão nas cidades, estão sendo orientados para não irem à aldeia imediatamente. A gente sabe que no Javari, se chegar até os isolados, isso será uma catástrofe”, afirmou o líder.
A reportagem de ÉPOCA perguntou ao ministério comandado por Onyx Lorenzoni quê medidas serão implementadas para diminuir o fluxo de indígenas às cidades, mas a pasta disse que questões relacionadas aos indígenas deveriam ser endereçadas à Funai.
A Funai, por sua vez, afirmou estar tomando medidas para diminuir o fluxo de indígenas às cidades durante a epidemia. Entre essas ações está a distribuição de pelo menos 300 mil cestas básicas a comunidades indígenas em todo o país.
A Funai informou ainda que vem fazendo campanhas junto aos indígenas orientando que eles não deixem suas aldeias por enquanto. Questionada se a Funai se preocupa com a possibilidade de que o auxílio emergencial leve mais índios às cidades, a Funai admitiu estar preocupada.
“Sim, por isso a Funai, por meio de suas unidades descentralizadas, já está atuando na orientação maciça junto às aldeias para que não se desesperem e evitem o deslocamento de grandes quantidades de pessoas ao mesmo tempo às cidades”, disse o órgão em nota.
FONTE: ÉPOCA
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