Além dos projetos recentemente aprovados no Paraná e em São Paulo, outros estados começam a estudar modelos semelhantes
As parcerias público-privadas (PPPs) na educação, em que empresas privadas cuidam de parte da administração de escolas públicas, estão ganhando espaço no Brasil e exigem atenção e mais debate com a sociedade, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Além dos projetos recentemente aprovados no Paraná e em São Paulo, outros estados começam a estudar modelos semelhantes e há municípios aderindo às PPPs.
Na maioria dos casos, os governos deixam com os parceiros privados a parte não pedagógica da gestão das escolas. A questão é que, para especialistas, há alguns pontos mais sensíveis dentre esses serviços que passam para a gestão das empresas, como a alimentação dos estudantes e o apoio a alunos com deficiência.
A PPP da educação de Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, por exemplo, que prevê a construção de 33 escolas e a administração dos serviços não pedagógicos dessas unidades, lista a alimentação e “o apoio aos alunos que não conseguem acessar com autonomia as instalações escolares”.
O decreto fala em suporte para “atividades da vida diária” desses estudantes com deficiência, que incluem alimentação, higiene e locomoção, entre outras. O documento determina que esse serviço será feito pela empresa parceira ou por terceiros por ela contratada.
Presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB de São Paulo, Camilla Varella aponta que essas parcerias com empresas são autorizadas pela Lei Brasileira de Inclusão e pela Lei dos Autistas, desde que o serviço seja restrito à parte não pedagógico.
“Esse atendimento da vida diária hoje já é terceirizado. O que me preocupa é que as PPPs sejam colocadas para o apoio educacional especializado, para contratar o profissional de pedagogia que deveria avaliar a criança para criar o plano de ensino individualizado, isso não tem como terceirizar”, afirma. “Temos que ficar atentos ao tipo de serviços que o contrato com as empresas vai prever.”
A deputada estadual Andréa Werner (PSB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de São Paulo, vê com preocupação a PPP das escolas. Autista e mãe de um adolescente com autismo, a parlamentar elogiou, em abril, um outro decreto de Tarcísio na área da educação, que autorizou que famílias paguem ou exerçam função de auxiliar para alunos com deficiência nas escolas.
No caso da PPP das escolas, o ponto central da crítica da deputada é que não teremos, segundo ela, uma terceirização desses serviços, mas uma “quarteirização”.
“Isso dificulta a fiscalização dos contratos e da qualidade do serviço prestado. Hoje muitas atividades já são terceirizadas, mas em contratos feitos diretamente com o poder público”, ressalta. Com a PPP, aponta a parlamentar, “haverá um intermediário privado entre o estado e os prestadores de serviço”, diz. “No meu gabinete, recebemos diversas denúncias de prestadores de serviço terceirizados em escolas que já apresentam desempenho aquém do desejado e colocam alunos em riscos”, afirma.
Esse mesmo raciocínio da “quarteirização”, para a deputada, pode ser considerado no caso da alimentação escolar, que já é, em parte, terceirizada em São Paulo.
A alimentação escolar foi colocada como um ponto preocupante das PPPs da educação por Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, que dá apoio a redes de ensino estaduais para melhorar a gestão escolar.
Em entrevista à Folha, ele ponderou que, em grande parte, a gestão administrativa das escolas interfere no pedagógico e mencionou especial preocupação com a alimentação. “Não podemos nos esquecer de que há alunos em insegurança alimentar em casa, e é parte da responsabilidade pública da escola garantir a segurança alimentar. Isso pode ser feito pela empresa? Talvez, desde que esteja contratualmente comprometida com isso.”
A importância do cuidado com os contratos foi mencionada em uma nota da ONG Todos pela Educação sobre as PPPs das escolas. “Os contratos precisam ser desenhados deixando evidentes as atribuições de cada parte e devem possuir mecanismos para garantir a qualidade da prestação do serviço”, diz o documento.
A nota apresenta um levantamento das principais PPPs da educação no país. Cita, entre outras, a de Belo Horizonte, implantada há mais de dez anos e que previu a construção e a administração não pedagógica de 55 escolas. Segundo a nota, estudos apontaram que o tempo de construção de escolas foi menor e que há mais agilidade na manutenção das unidades, com diretores mais concentrados na gestão pedagógica.
No município de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) implementou entre 2022 e 2023 PPPs para a construção e administração predial de 12 CEUs (Centros Educacionais Unificados). Os serviços pedagógicos e a alimentação são geridos pela Secretaria Municipal de Educação.
Além dos CEUs, haverá em agosto licitação de outra PPP, para reformas e conservação de escolas da Diretoria Regional de São Mateus.
No Rio Grande do Sul, foi anunciada em 2023 uma PPP para infraestrutura e serviços não pedagógicos. Em Minas, um projeto-piloto de 2022 concedeu a uma organização social a gestão administrativa e pedagógica de três escolas por quatro anos.
As PPPs têm sido testadas em cidades como Recife (PE), Contagem (MG) e Nova Lima (MG) e começa a ser estudada pelas redes de ensino de Minas e do Espírito Santo.
O Todos pela Educação afirma que, “desde que cuidadosamente desenhadas e testadas, as parcerias voltadas para os serviços não pedagógicos das unidades escolares podem ser benéficas, merecendo, assim, consideração dos gestores públicos”. A ONG, no entanto, diz ver “com maior preocupação os modelos em que a parceria envolve questões pedagógicas, exigindo mais cautela”.
Critica o modelo do Paraná, que deixa para a empresa a contratação de professores substitutos, o controle da frequência dos alunos e a definição de metas de aprendizagem. Para o ONG, isso gera “risco alto de tentativa de interferência do parceiro na gestão pedagógico da escola”. Por outro lado, afirma que o Paraná acertou ao deixar para as escolas a opção de aderir ou não ao modelo de parceria.
O Todos pela Educação defende que é preciso testar antes as PPPs em projetos-piloto e que haja amplo diálogo com a sociedade e com a comunidade escolar.
A falta de diálogo com a sociedade é apontada pelo Instituto Alana, ONG que atua na defesa da infância e da adolescência. Para Renato Godoy, gerente de relações governamentais do instituto, na PPP das escolas de São Paulo “chama a atenção a ausência de mecanismos de participação social e de consulta à comunidade”, o que, segundo ele, vai “de encontro à perspectiva da gestão democrática da educação prevista na Constituição e na LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]”.
FONTE: FOLHAPRESS COM JORNAL DE BRASÍLIA
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