Relatório do MapBiomas que engloba os seis biomas brasileiros aponta que 99% da devastação ocorrida em 2020 foi ilegal. Estrago foi causado por apenas 1% das propriedades rurais.
Em todo o país, o corte da vegetação nativa emitiu 74.218 alertas de desmatamento em 2020. Os avisos capturados por satélites nos seis biomas brasileiros – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa – mostram que uma área de 13,8 mil km² foram perdidos de janeiro a dezembro do ano passado, um aumento de 14% em relação a 2019.
Os dados, publicados nesta sexta-feira (11/06) e que renderam mais de 100 mil laudos com análises, fazem parte do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, do MapBiomas Alerta, iniciativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia.
O levantamento aponta que a ilegalidade é dominante no país: 99% dos alertas emitidos não tinham autorização para o corte, mostra o relatório. Segundo a legislação, o proprietário da área precisa de uma licença para suprimir a vegetação, registro que fica disponível no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A impunidade para aqueles que cometem esse crime também é alta. A análise do MapBiomas revela que apenas 2% dos desmatamentos e 5% da área identificada entre 2019 e 2020 como ilegalmente desmatada renderam multas ou algum tipo de embargo.
Todas as bases de dados consultadas para o relatório são públicas e podem ser acessadas por qualquer cidadão. “A gente quer a parceria dos estados, do governo, para acabar com o desmatamento, por isso a informação que a gente produz também é completamente pública”, pontua Marcos Reis Rosa, um dos autores do relatório.
Uma minoria barulhenta
O Brasil tem, até o momento, 5,9 milhões de imóveis rurais. Esse é o número registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR), obrigatório desde a aprovação do Código Florestal, em 2012. A informação sobre o imóvel é declarada pelo proprietário e serve como um banco de dados para o controle, monitoramento e combate ao desmatamento.
É com base no CAR que o relatório do MapBiomas conclui que a minoria das propriedades rurais são responsáveis pela supressão ilegal da vegetação nativa. Das 5,9 milhões registradas, os alertas partiram de 52.766 delas, o que corresponde a 0,9%.
“É esse apenas 1% que causa o estrago gigantesco na nossa imagem lá fora e para toda a nossa biodiversidade. Esse 1% que desmata é muito barulhento e tem muita representatividade no Congresso”, lamenta Rosa, ressaltando que em 99% dos imóveis declarados não houve desmatamento.
Ainda sobre ilegalidade, um pouco mais de um terço dos alertas (39%) tem sobreposição com áreas de Reserva Legal (RL), Áreas de Preservação Permanente (APP) ou Áreas de Nascente declaradas no CAR e que são protegidas pelo Código Florestal.
“Há muito desmatamento causado por invasão de terra pública também. Isso é um problema brasileiro, em que as pessoas invadem essas área e depois tentam conseguir uma anistia e receber a propriedade privada no futuro”, comenta Rosa.
Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2633/2020, conhecido como “PL da Grilagem” tramita com celeridade e pode ser votado a qualquer momento. A proposta muda as regras relacionadas à ocupação de terras públicas e legaliza ocupações feitas por grileiros.
Um outro estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) revelou a aumento expressivo da invasão de terras públicas na Amazônia e a explosão da devastação relacionada a essas áreas desde a chegada de Jair Bolsonaro à presidência.
O levantamento do ISA mostrou que Unidades de Conservação federais, Parques e Florestas Nacionais são o principal alvo dos grileiros. Os registros de CAR sobrepostos a essas áreas aumentaram 54%, e o desmatamento dentro desses cadastros irregulares subiu 72%.
Como o CAR é autodeclaratório e deveria ser validado pelos órgãos ambientais, o que demora e algumas vezes nunca acontece, grileiros registram áreas invadidas como se fossem legais e ficam na expectativa da anistia do governo, o que ocorre com certa frequência.
“Regularizar essas áreas não impede o desmatamento, mas funciona como incentivo para desmatar uma área pública pra receber uma nova anistia no futuro”, comenta Rosa.
Ranking por bioma
O relatório do MapBiomas se baseia em alertas capturados por cinco sistemas que utilizam satélites: Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real, do Inpe); SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento, do Imazon), SAD Caatinga (Sistema de Alerta de Desmatamento da Caatinga, desenvolvido pela Universidade Estadual de Feira de Santana e Geodatin); GLAD (Global Land Analysis and Discovery, da Universidade de Maryland) e SIRAD-X (sistema de detecção de desmatamento por radar desenvolvido pelo Instituto Socioambiental).
Da área desmatada em 2020, a maioria, 61%, está na Amazônia. O estado campeão de destruição é o Pará, onde estão seis dos dez municípios que mais desmataram, com destaque para as cidades de Altamira e São Félix do Xingu, que ocupam a primeira e a segunda posições, respectivamente.
No Cerrado, que corresponde a 31% do total de desmatamento no ano passado, o tamanho da área desmatada por alerta aumentou. A média foi de cerca de 57 campos de futebol por registro, mostra o relatório do MapBiomas, uma alta de 3% em relação ao verificado em 2019.
O restante dos alertas vem dos biomas Caatinga (4,4% da área), Pantanal (1,7%), Mata Atlântica(1,7%) e o Pampa (0,1%).
No ranking por estado, o Pará é seguido por Mato Grosso, Maranhão, Amazonas, Rondônia e Bahia. Juntos, esses seis estados responderam por mais de 76% da devastação verificada em 2020.
Por que mapear
Criado em 2018, o MapBiomas Alerta tem o objetivo de reforçar os sistemas de monitoramento já bem-sucedidos no país e colaborar com políticas públicas voltadas para o fim do desmatamento ilegal. “Para isso, seria preciso garantir que todo o desmatamento ilegal resulte em algum tipo de ação”, pontua Rosa.
Um dos usos das informações produzidas pela iniciativa é o apoio à política de embargo das propriedades que cortam a vegetação na clandestinidade. Segundo essa política, que já foi responsável por quedas drásticas do desmatamento no passado, o imóvel infrator é notificado e fica impedido de receber financiamento de bancos públicos e de entidades que aderem à causa.
“A quantidade e a qualidade de informações que a gente já possui torna possível mudar esse cenário e frear esse desmatamento ilegal, que está fora de controle. Com vontade política, dá para acabar com essa sensação de impunidade, que hoje predomina”, finaliza Rosa.
FONTE: DEUTCHE WELLE
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