Um dispositivo até então pouco usado por empregadores na hora da dispensa de funcionários tem sido cada vez mais aplicado em meio à pandemia do novo coronavírus para a demissão dos funcionários — o desligamento por “força maior”. Segundo advogados especializados em Direito Trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê o acionamento do instrumento em casos bastante específicos. Um dos principais problemas para os trabalhadores que perderam o emprego nessas condições é que a rescisão “por força maior” impede que o ex-funcionário saque o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Além disso, o instrumento dificulta o acesso ao seguro- desemprego, que geralmente é liberado após a retirada do fundo.
A Caixa Econômica Federal informou que “por lei há necessidade de reconhecimento da Justiça do Trabalho para as rescisões de contrato por motivo de força maior e somente após o processo o FGTS é liberado ao trabalhador”.
Esta é a situação de um grupo de cerca de 30 funcionários demitidos do Hotel Shalimar, na Zona Sul do Rio de Janeiro. A rescisão de contrato deles se deu por “motivo de força maior”, e a empresa alega perdas em meio à calamidade provocada pela pandemia. Na Caixa Econômica, houve negativa em liberar o FGTS. O requerimento para o seguro-desemprego também não foi aprovado.
— Trabalhei 13 dias no meio da pandemia. Fomos demitidos sem o pagamento de verbas rescisórias. A empresa diz para procurarmos a Justiça. E nem receber o FGTS e o seguro-desemprego estamos conseguindo. Tenho filhos e família. No momento, passei a fazer entregas para ter algum dinheiro — conta um ex-funcionário do hotel que prefere não ter o nome divulgado.
Nenhum representante do Hotel Shalimar foi localizado para comentar o caso.
Governo vai liberar o acesso
A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, afirmou que, sobre o pagamento do FGTS neste caso, está em elaboração uma portaria que vai tratar do problema, para que os requerimentos sejam processados sem que haja a necessidade de comprovação por decisão judicial. A medida deverá ser publicada nos próximos dias.
Quanto ao seguro-desemprego, a secretaria informou que foi expedida uma circular com orientações para que os requerimentos apresentados, nas situações de demissão “por força maior” relacionadas ao contexto excepcional da Covid-19, sejam recepcionados sem que haja a necessidade de comprovação por decisão judicial.
Como proceder
O encaminhamento dessas demandas deve ser feito por meio dos canais de atendimento remoto, sem a necessidade de comparecimento presencial a uma unidade de atendimento. Cabe explicar ainda que boa parte dos requerimentos de seguro-desemprego eram feitas pelas agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine), de administração municipal e estadual. Estas unidades fecharam sem oferecer alternativas de atendimento telefônico ou virtual.
Os trabalhadores que encontrarem problemas nos pedidos de seguro-desemprego podem enviar uma mensagem para as Superintendências do Trabalho para tratar de pendências. O endereço do e-mail segue o seguinte padrão: trabalho.(uf)@mte.gov.br, como, por exemplo, [email protected], [email protected] etc. Ou seja, o uf (unidade da federação) refere-se ao estado.
Dispositivo na CLT
Segundo o artigo 502 da CLT, quando uma empresa ou um estabelecimento é fechado por conta de uma força maior, a empresa poderia dispensar o quadro de empregados com motivo de “demissão por força maior”. O instrumento precisa ser ratificado pela Justiça do Trabalho e, se for reconhecido, a multa sobre o saldo FGTS cai de 40 para 20%.
— A Lei 8.036/1990 do FGTS elenca como condição de movimentação do fundo demissão sem justa causa, inclusive indireta, culpa recíproca e força maior. Por isso, o acesso ao FGTS não deveria ser impedido. A “dispensa por força maior” deve ser ratificada na Justiça para efeitos de cálculo sobre da multa sobre o saldo do fundo, que é paga pelo empregador — explica Flavio Aldred Ramacciotti, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Chediak Advogados.
Rodrigo Takano, sócio da área Trabalhista do Machado Meyer Advogados, a declaração de estado de calamidade colabora com a tese de “dispensa por força maior”:
— Declarado o estado de calamidade pelo governo pode configurar a hipótese de força maior para fins trabalhistas — esclarece o advogado.
Setor hoteleiro
Por meio de nota, o Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (SindHotéis Rio) declarou que já firmou duas Convenções Coletivas de Trabalhos Emergenciais com os sindicatos dos empregados, visando à manutenção dos empregos e à aplicação da MP 936/2020, que prevê a suspensão de contratos ou a redução de jornadas e salários.
Em relação ao Hotel Shalimar, a entidade informou que “casos específicos de empreendimentos que optem por seguir entendimentos próprios sobre as rescisões trabalhistas, o sindicato não tem como avaliar, por não ter sido consultado em relação a tais procedimentos”.
Segundo a entidade, “de maneira geral, os hotéis optaram prioritariamente por adotar o banco de horas e dar adiantamento de férias individuais e coletivas, mas a maioria faz ou fará uso da MP e da Convenção Coletiva de Trabalho Emergencial com foco na manutenção de seu staff”.
FONTE: EXTRA
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