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Brasil tem primeiro caso de reinfecção com nova mutação do coronavírus

Cientistas identificaram numa mulher de Salvador o primeiro caso de reinfecção no Brasil com uma mutação do coronavírus encontrada inicialmente na África do Sul e que provoca preocupação mundial. A linhagem com a mutação da Bahia é a mesma identificada pela primeira vez no estado do Rio de Janeiro, cuja descoberta foi anunciada em dezembro. A linhagem brasileira e a sul-africana são diferentes, mas compartilham a mutação E484K.

Essa mutação preocupa porque atinge uma região crucial do coronavírus. Em tese, ela pode tornar o vírus mais transmissível. Essa mesma mutação afeta também a região do vírus alvo da maioria das vacinas.

Embora não exista qualquer evidência nesse sentido até agora, é preciso investigar se ela afeta a eficácia dos imunizantes. Uma outra mutação da linhagem encontrada no Reino Unido e que já se espalhou por mais de 30 países atinge a mesma região do coronavírus.

Liderado por Bruno Solano, do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa (IDOR) e do Hospital São Rafael, em Salvador, o estudo foi submetido à revista Lancet. A descoberta já foi comunicada ao Ministério da Saúde e às autoridades de saúde da Bahia.

— Esse tipo de estudo é essencial para compreender a propagação da pandemia e identificar a tempo mudanças no vírus que possam ter impacto na transmissão e nas vacinas — destaca Solano.

A mutação altera o chamado RDB, o ponto em que o Sars-CoV-2 se liga às células humanas. O RDB é a região mais crítica da proteína mais importante do coronavírus, a espícula ou S, alvo da maioria das vacinas e dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema imunológico. Como é o ponto de ligação entre o vírus e as células, o RDB é atacado pelos anticorpos.

Porém, a mutação confere ao vírus o que os cientistas chamam de mecanismo de escape. Ou seja, as mudanças genéticas fazem com que os anticorpos percam a especificidade contra o RDB porque ele já não é mais o mesmo. Os anticorpos passam a ser como tiros a esmo, deixam de “neutralizar” o vírus. Com isso, o Sars-CoV-2 pode “escapar” e infectar uma pessoa com mais sucesso.

Em tese, isso acontece tanto no caso dos anticorpos produzidos por uma infecção natural quanto daqueles desenvolvidos em resposta a uma vacina. Porém, como a proteína S é “grande”, tem outras regiões alvo, e as vacinas não perderiam sua eficácia.

Primeira infecção pelo vírus foi mais branda

O caso que permitiu a identificação da mutação no Brasil é o de uma executiva da área de saúde de 45 anos, diz Solano. Ela teve Covid-19 duas vezes: em junho e outubro de 2020, em ambas as ocasiões com a infecção pelo Sars-CoV-2 comprovada por testes de RT-PCR.

A primeira infecção foi significativamente mais branda do que a segunda, embora em nenhuma das duas ela tenha precisado de internação, acrescenta Solano. A reinfecção foi comprovada por meio de sequenciamento genético.

A análise genética revelou que os vírus do primeiro episódio eram substancialmente diferentes dos do segundo, indicando linhagens distintas. Em junho, foi a linhagem B.1.1.33 a causa de Covid-19. Já na segunda ocasião, a doença foi provocada pela variante B.1.1.248, derivada da descoberta no Rio de Janeiro e que tem a mutação E484K.

A cientista Marta Giovanetti, uma das autoras da descoberta, enfatiza que os casos de reinfecção são importantes para investigar a imunidade natural ao coronavírus e a eficácia de vacinas. Giovanetti também integrou o grupo que identificou a linhagem sul-africana.

— Temos questões importantes em aberto. Uma delas é o impacto sobre as vacinas. Outras se essa mutação tem maior infectividade ou mesmo maior patogenicidade. Estamos tentando descobrir — afirma Giovanetti, italiana radicada no Brasil desde 2016 e atualmente pesquisadora do Laboratório de Flavivirus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Solano acrescenta que mais casos suspeitos de reinfecção já estão em estudo e que os pacientes serão acompanhados também para saber o quão eficientes e duradouros são os anticorpos produzidos após a segunda infecção.

Integrante do mesmo grupo de pesquisa, Renato Santana, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), observa que o monitoramento genômico é essencial para caracterizar a pandemia. Isto é, saber quem são, como são e de onde vêm os vírus em circulação. Isso, porém, depende de testagem e de sequenciamento genético, ainda pouco realizado no Brasil.

Santana observa que a mutação E484K estaria mais associada à transmissão. Por permitir que o coronavírus escape do ataque de anticorpos, ela possibilitaria que ele se multiplicasse mais. E essa poderia ser a causa da maior carga viral (quantidade de vírus) observada recentemente no Brasil.

A linhagem brasileira do Sars-CoV-2, no entanto, não tem todas as mutações identificadas na sul-africana.

— Casos de reinfecção, como esse que identificamos, mostra que precisamos monitorar os mutantes — frisa Santana.

FONTE: EXTRA

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