Representantes do setor que atua na exploração comercial de madeiras estudam modelos de mercado que conciliam exportações, lucro e preservação das florestas
Com investimentos na restauração de áreas nativas e a ampliação das vendas de madeira certificada, o Brasil poderia se tornar um líder global do que alguns especialistas do setor de florestas chamam de “uma nova economia florestal”.
Representantes de ONGs e empresas ligadas à exploração comercial e à certificação de madeiras atualmente estudam formas de promover concretamente um modelo de mercado que concilie o lucro com a preservação das florestas e as metas de reflorestamento.
Os principais produtos do setor florestal atualmente são madeira, papel e celulose. Boa parte da madeira brasileira é exportada. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que em 2018 o Brasil vendeu para o exterior o equivalente a R$ 3,2 bilhões em madeira e seus derivados (madeira serrada, compensada, laminada, em painéis, obras de marcenaria, etc).
Embora o setor venha expandindo as exportações nos últimos dez anos (veja o gráfico abaixo), o diretor do programa de florestas do “World Resources Institute” no Brasil (WRI Brasil), Miguel Calmon, avalia que ainda é possível aumentar em muito as vendas internacionais.
“Nos últimos 15 anos os Estados Unidos e China se mantiveram como principais destinos das exportações de madeira serrada tropical do Brasil”, diz ele.
De acordo com o Forest Stewardship Council (FSC), conselho responsável pelas normas de certificação de madeiras, o setor florestal emprega diretamente cerca de 610 mil pessoas no Brasil.
O Brasil tem a segunda maior cobertura florestal do mundo – o que inclui florestas naturais e plantadas – ficando atrás apenas da Rússia. No total, são 516 milhões de hectares de florestas brasileiras. Estima-se que, sozinha, a Amazônia tenha mais de 300 milhões de hectares em florestas tropicais (uma área maior do que toda a Argentina).
Mas enquanto empresas dos Estados Unidos investem cerca de US$ 100 bilhões (R$ 386 bilhões) ao ano em projetos comerciais de reflorestamento, o Brasil se aproxima dos US$ 35 bilhões (R$ 135 bilhões).
Desse total, Calmon explica que o investimento em florestas nativas é quase zero. Além disso, uma parte expressiva da madeira comercializada no Brasil ainda vem do desmatamento ilegal.
O grande desafio, portanto, é como ampliar a produção de madeira sem aumentar o desmatamento. Calmon avalia que é preciso combinar a silvicultura (cultivo de florestas exóticas, principalmente de pinus e eucalipto) a práticas de reflorestamento com espécies nativas do Brasil.
Técnicos do setor, como os da Embrapa, vêm realizando estudos para chegar a propostas concretas de como recuperar áreas desmatadas plantando árvores típicas de cada bioma do país.
Uma vez restauradas, essas florestas também podem ser exploradas comercialmente, desde que haja um manejo adequado: é preciso que sempre se mantenha um nível mínimo de área de floresta e que não se faça o chamado “corte raso”. Esse corte derruba a planta por inteiro, como é normal em florestas de eucalipto e pinus.
“É preciso promover investimento em reflorestamento de florestas nativas que deem retorno financeiro”, afirma Calmon. “Mas é um negócio de longo prazo. O investimento inicial é pesado e não temos ainda um histórico. Nunca uma empresa de capital aberto reportou resultados de reflorestamento de florestas nativas [no Brasil].”
Conciliar a madeira com outras culturas
Entre as espécies nativas com valor econômico, o WRI Brasil lista 30 que vêm sendo estudadas e que apresentam bom potencial para a Mata Atlântica e a Amazônia. Entre elas estão a castanha, o paricá, a araucária, o jequitibá rosa, o pau-brasil, os ipês e o mogno, por exemplo.
A primeira questão que se levanta, no entanto, é se essas árvores podem crescer tão rapidamente quanto as espécies usadas em florestas plantadas. O eucalipto, por exemplo, é economicamente viável porque se adapta a diferentes regiões e já é possível derrubá-lo com apenas 5 a 7 anos de idade.
Mas o paricá da Amazônia, por exemplo, apresenta taxa de crescimento equivalente à do eucalipto e já vem sendo usado há mais de uma década no plantio experimental para produção de madeiras.
As pesquisas com espécies nativas têm com um dos desafios encontrar formas de estimular o crescimento das plantas para fins comerciais, mas respeitando seu ritmo natural, para que a qualidade da madeira não seja prejudicada. “Não adianta encher a floresta de adubo se a madeira não for de qualidade”, diz Calmon.
Num período de transição, seria possível integrar as florestas plantadas com plantações de florestas com espécies nativas. Além disso, pode-se plantar numa mesma área árvores para produção de madeiras e plantas de outras culturas agrícolas. O café e o cacau, por exemplo, podem se beneficiar da sombra de árvores maiores.
Como são espécies da flora brasileira, árvores nativas poderiam, segundo a lei atual, até mesmo compor áreas de preservação, como as Reservas Legais, num plano de “manejo florestal sustentável”. Na Amazônia, atualmente esse manejo de florestas nativas permite retirar algo como 3 a 5 árvores a cada 30 anos, no mesmo hectare de terra.
Nas palavras da diretora executiva do FSC, Aline Tristão, “manejo florestal não é desmatamento”.
O que é a madeira certificada
Outra parte essencial da “nova economia florestal” é o processo de certificação das madeiras. A madeira certificada é aquela que, além de sair de árvores retiradas dentro dos termos da lei, adota exigências ainda mais rígidas quanto à produção.
Para que a madeira seja certificada, é preciso que a empresa se submeta voluntariamente a um monitoramento constante de suas práticas, seguindo os padrões internacionais do FSC, que, por sua vez, é um Conselho composto por diferentes membros do setor (empresas, ambientalistas, sindicatos, ONGs, etc).
Além disso, não se certificam florestas de áreas desmatadas no Brasil depois de 1994. E as empresas certificadas têm área de conservação em suas propriedades maior do que a legislação exige.
Quando o consumidor for comprar produtos de madeira, o selo FSC é a garantia de que esses critérios foram obedecidos. A empresa recebe o certificado por 5 anos, mas todo ano passa por auditoria para confirmar que continua seguindo os princípios.
Se tudo correr bem, a tora de madeira já vai para a indústria com o selo de certificação.
“Não é só a questão ambiental que é importante. É preciso empregar pessoas locais e ajudar a desenvolver a região”, diz Aline Tristão. “Você tem que, no mínimo, atender a legislação que existe: ambiental, social, trabalhista, mas também se envolver no engajamento das comunidades.”
O FSC afirma que o Brasil tem 131 empresas do ramo florestal certificadas e ocupa atualmente o 6º lugar no ranking global de áreas certificadas: são cerca de 7 milhões de hectares certificados (área com tamanho equivalente ao da Irlanda). Desse total, 5 milhões são de plantações florestais e, o restante, de florestas nativas.
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é uma das associações que realiza a certificação seguindo as normas do FSC, acompanhando tanto a origem da madeira quanto as etapas pelas quais passou até se tornar o produto final (rastreabilidade).
Segundo o gerente de certificações da Imaflora, Leonardo Martin Sobral, toda atividade produtiva causa algum impacto negativo no meio ambiente. Mas um dos pontos principais da certificação é, justamente, a mitigação desses possíveis impactos.
O eucalipto de floresta plantada, por exemplo, tende a ressecar o solo. Portanto, é preciso que a empresa compense de alguma forma esse impacto com uma irrigação adequada, garantindo que as propriedades vizinhas também possam se manter produtivas.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura estimou em 2016 que, por meio do combate à produção de madeira ilegal e duplicando as área de manejo florestal com madeira certificada, o Brasil poderia aumentar o seu Produto Interno Bruto (PIB) em R$ 3,3 bilhões ao ano. E a arrecadação de impostos cresceria cerca de R$ 250 milhões.
FONTE: G1.COM
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