Embora seja mecanismo avançado no combate à violência contra a mulher, pontos centrais do texto não se concretizaram
Há exatos 13 anos, quando sancionada, a Lei Maria da Penha foi celebrada como um dispositivo avançado para coibir a violência contra a mulher . Antes dela, afinal, o tema era tratado como “crime de menor potencial ofensivo”, sob a lei 9.099 de 1995, segundo a qual, por exemplo, a própria mulher deveria se encarregar de levar ao seu agressor a intimação para que ele comparecesse à delegacia, e as penas acabavam reduzidas ao pagamento de cestas básicas.
Embora seja consenso entre especialistas que a Lei Maria da Penha foi um divisor de águas no combate à violência contra a mulher, por outro lado, tópicos centrais não são cumpridos ainda hoje. Para Daniela Borges, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “a lei é um marco incontestável, e, se existe um problema, está na efetividade”.
— A Maria da Penha é um divisor de águas. É como se a violência contra a mulher fosse invisível. A lei surge, traz o problema à luz e se dispõe a fazer esse enfrentamento — defende Borges. — Mas, de fato, o cumprimento nunca se deu de forma plena. Engrossa o coro Luanna Tomaz, vice-diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Clínica de Atenção à Violência na mesma instituição. Para ela, “muito do que foi proposto na lei não foi endereçado”:
— A lei é um mecanismo avançado, amplo, que trata desde ações educativas para o combate até a capacitação de profissionais para lidarem com o tema. Passados 13 anos, vemos que muito não se realizou.
A juíza Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), concorda: “O grande desafio da lei é a questão da efetividade do que está disposto no texto”. — O aumento dos números de casos de violência contra a mulher e de feminicídio são prova de que a lei não está funcionando em sua totalidade. Não acho que o problema seja omissão. O que há é escolha de caminhos que não prezam pela efetividade da lei. Precisamos de mais ação e menos programação — afirma a juíza.
Veja três pontos da lei considerados essenciais pelas especialistas e que, segundo elas, estão distantes de serem cumpridos.
Preparo dos policiais
Diz um tópico do capítulo “Das Medidas integradas de prevenção” que a política pública para coibir a violência doméstica deve ter entre as diretrizes: “a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos quanto às questões de gênero e de raça ou etnia”.
— A gente ainda encontra muitos relatos de mulheres que procuram as delegacias da mulher e não encontram atendimento adequado. Se a delegacia especializada tem esse problema, imagina as outras? — questiona Daniela Borges. — Nós sabemos que, para a mulher, já é muito difícil chegar até a delegacia, e não raro ela encontra policiais destreinados. E assim muitas acabam por desistir de registrar a queixa.
Atendimento 24 horas
A lei, lembra a advogada, prega ainda que a mulher “em situação de violência doméstica e familiar” tem direito a “atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores — preferencialmente do sexo feminino — previamente capacitados”.
No entanto, segundo Daniela Borges, das quase 500 delegacias da mulher no país, apenas 21 oferecem o serviço 24 horas. — Ora, se a lei fala em atendimento ininterrupto, a falta das delegacias funcionando 24 horas é um descumprimento da lei — afirma. — E ainda é preciso lembrar que a a maior parte dos casos da violência de gênero ocorre à noite.
Varas criminais especiais
No artigo 33 da Lei Maria da Penha, está prevista a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e, enquanto estes seriam criados, “as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”.
Tais varas, porém, não existem, afirma Luanna Tomaz. — A ideia era atender essas mulheres num lugar só, porque não fazia e não faz sentido as mulheres terem de peregrinar de vara em vara, numa para tratar da violência, em outra para se divorciar ou para tratar da guarda dos filhos. A lei surgiu apresentando a proposta de uma vara que pudesse cuidar de tudo. Mas isso nunca aconteceu na prática — lamenta a professora de Direito da UFPA.
FONTE: Agência O Globo
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