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Ex-deputado Nilton Capixaba vai trabalhar como auxiliar administrativo ganhando R$ 4 mil por mês em uma empresa privada que funciona dentro de um escritório de advocacia

Todo ser humano condenado pela Justiça tem direito à redenção, especialmente quando alcança o termo de sua penitência; no plano do dever ser, daquele platonismo próprio da teoria e das salas de aula, o trabalho digno contribui sobremaneira a fim de que o tipo, outrora sentenciado pelo pesadíssimo malhete do Judiciário, seja reintegrado à sociedade.

Quando esse resultado é alcançando, em teoria, o cidadão volta a conviver conosco sem olhar para trás, longe da delinquência que, há pouco, o consumia por inteiro.

Para algumas pessoas é possível que haja dupla punição: a institucional, imposta por um juiz de Direito; outra, raríssima nos casos de crime do colarinho branco, é quando, paralelamente, opera o rigor da consciência para quem ainda nutre em seu íntimo o mínimo de valores ético-morais.

Sendo assim, embora a situação retratada neste artigo e a história emblemática de Rodion Românovitch Raskólnikov – protagonista de Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski/1866) – sejam abissalmente diferentes, não há como ignorar o campo gravitacional criado tanto pela vida real quanto através do espectro fictício, porquanto nossa percepção é atraída ao centro de uma discussão digna da figura do cachorro que corre atrás do próprio rabo.

Raskólnikov, que nunca existiu, é autor de um duplo homicídio; Capixaba, nome igualmente fictício, existe mesmo como Nilton Balbino, em carne e osso, e foi condenado no começo do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas. Pelo crime de corrupção passiva, fora sentenciado a quase sete anos de prisão, pena a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto.

Alguns leitores desavisados, ou que não se aprofundaram nas visões concebidas pelo literato forjado durante o Império Russo, ainda confundem a grande extensão dos holofotes concedidos por Dostoiévski a personagens niilistas com as verdadeiras crenças do autor, desconsiderando o desfecho majoritariamente fatal desse núcleo cético representado em suas obras.

Talvez o exemplo mais latente seja Ivan Fiodorovitch Karamazov, de Os Irmãos Karamazov (1879), último romance publicado por Fiódor, onde a superioridade intelectual e o desapego ao transcendentalíssimo apresentado pelo personagem contrastam de maneira pontual à sua decadência emocional e psicológica transmitida pouco a pouco ao leitor enquanto este excursiona pelas mais de 700 páginas do título. Isso, claro, é um resumo bastante reducionista e vulgar, embora necessário por ora, acerca de Os Irmãos Karamazov, uma das maiores obras literárias da história – um livro complexo que exige análises profícuas para discussões completas travadas à mesa de debate.

Mas com isso quero dizer, finalmente, que o jornalista forjado à ocasião da Rússia czarista parecia niilista, mas era cristão convicto; Balbino, autor de Nilton Capixaba, transparece o inverso disso: soa como cristão, mas é absurdamente niilista, principalmente quanto ao ceticismo demonstrado em relação ao cumprimento da lei e a incredulidade postural diante do vertedouro consequencial advindo da reiteração tanto do descaminho relacionado à seara legal quanto àquele voltado às normas sacrossantas.

E quando falo de descaminho me refiro ao substantivo masculino que abrange como significado o ato de sair do caminho correto; desvio; a conduta que revela falta de equilíbrio, de respeito pelas regras morais; desregramento e; mau comportamento, não ao tipo penal insculpido ao Art. 334 do Código Penal, que fique claro.

Logo, o porquê do cárcere infligia a Rodion Raskólnikov novo suplício – este decretado por ele mesmo – destinado a fustigar sua própria alma; por outro lado, os motivos que levaram Nilton Balbino, o Capixaba, à prisão, não se afiguram como propulsores de um autoflagelo existencial, aquele que deveria caminhar juntamente à privação de liberdade rumo à redenção completa, à liberdade plena. E vou explicar por quê.

Aos fatos

No dia 26 de fevereiro o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica veiculou, com exclusividade, a seguinte notícia:

STF autoriza Nilton Capixaba a cumprir pena em presídio de Porto Velho; ex-deputado quer trabalhar na construção civil

À ocasião, a reportagem relatou detalhes sobre a transferência do ex-deputado a Rondônia. Após o término do mandato, encerrado no dia 31 de janeiro, ele começou a cumprir pena na Papuda, em Brasília. O único ponto não esclarecido naquela data era se a mudança já havia sido concretizada quando da publicação da matéria.

Hoje eu tenho a resposta e diversas perguntas que precisam ser respondidas rapidamente pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO), seccional comandada atualmente por Elton Assis. Aliás, os questionamentos que pretendo apontar a seguir também são direcionados ao juiz titular da Vara de Execuções Penais de Porto Velho, Bruno Darwich, e à promotora de Justiça, Andréa Waleska Nucini Bogo, que dirige o Centro de Apoio Operacional de Política Penitenciária e Execução Penal (CAOP PPEP).

Em suma, Nilton Capixaba já está em Porto Velho e teoricamente apto para cumprir o resto de sua pena recolhendo-se às dependências da Penitenciária Estadual de Aruana (PEA) quando não estiver trabalhando.

Antes de ser transferido, o ex-parlamentar já havia mencionado ao STF que sua intenção era preencher vaga disponível na Leme Empreendimentos e Participação Ltda, cuja atividade econômica principal está relacionada à incorporação de empreendimentos imobiliários.

A Declaração de Vaga de Emprego foi assinada pelo sócioadministrador Antônio Martins dos Santos no dia 10 de dezembro do ano passado. Curioso também é que o político foi contratado para o cargo de auxiliar administrativo com um salário de R$ 4 mil.

“A [sic] de se dizer que as funções de auxiliar administrativo serão exercidas no escritório administrativo da empresa sito na Rua José do Patrocínio, nº 785, Centro, Porto Velho […]”.

Para atestar a regularidade da empresa, dois agentes penitenciários foram verificar pessoalmente o funcionamento das instalações no dia 1º de março de 2019, às 16h28min.

A equipe responsável composta pelos servidores Milton Luiz Pamplona Rêgo, diretor-geral da Unidade de Monitoramento integrada à Secretaria de Justiça (UMESP/SEJUS), e Sérgio Roberto Vasconcelos Pereira, deu parecer favorável indicando situação regular na ala que expõe o resultado da fiscalização e encaminhando o documento às mãos do diretor da Penitenciária Aruana.

Entretanto, ao enviar o resultado para o diretor da unidade prisional, Milton Pamplona faz um adendo:

“Segue em anexo, cópia do respectivo relatório para providências cabíveis. Observando que, em conformidade com a Portaria nº 03/2015, expedida pela VECP/TJ/RO, datado de 02/11/2015, em seu Art. 8/º §1º: ‘É dever do apenado fornecer informações verdadeiras às autoridades penitenciárias, sob pena de regressão de regime de cumprimento de pena e, ainda, cometimento de crime de falsidade ideológica’. Para conhecimento e providências necessárias”.

A coluna tentou entrar em contato com Pamplona a fim de saber se o apontamento é alerta de praxe ou se há informação a mais que destoe ao resultado apresentado pelo Relatório de Fiscalização. O articulista não obteve resposta até o fechamento da publicação.

Aí que entra o problema: na Rua José do Patrocínio, nº 785, Centro, funciona o escritório de advocacia Sebastião Martins Advogados Associados.

E de acordo com o Estatuto da Advocacia que, lembre-se, é uma Lei Federal, constitui infração ética o exercício de qualquer atividade que não seja própria do mundo causídico em escritórios advocatícios, passível de averiguação e eventual punição por parte do Tribunal de Ética da OAB rondoniense cujos novos membros nem foram eleitos.

Vejamos, pois, o que o Tribunal de Ética da OAB de São Paulo já falou sobre o tema, por exemplo:

EXERCÍCIO PROFISSIONAL – CASA COM SALAS COMERCIAIS COM ENTRADA COMUM – POSSIBILIDADE. O exercício da advocacia não pode desenvolver-se no mesmo local e em conjunto com qualquer profissão não advocatícia. Exemplo clássico do exercício da advocacia no mesmo local e em conjunto com outra atividade é o do advogado contador, administrador, corretor de imóveis ou agente da propriedade industrial, que monta o seu escritório de advocacia no mesmo local e junto com o seu escritório de contabilidade, seu escritório de administração de bens e condomínios, sua imobiliária ou seu escritório de registro de marcas e patentes. No caso há vedação ética por inúmeros motivos: captação de causas e clientes, concorrência desleal, possibilidade de violação de arquivos. Quando as salas, a recepção e os telefones são independentes, é irrelevante a entrada comum. É necessário absoluta independência de acesso ao escritório; a sala de espera e os telefones não poderão ser de uso comum, para se evitar captação de causas ou clientes e os arquivos devem ficar na sala do advogado para manter o sigilo e a inviolabilidade dos arquivos e dos documentos do advogado e dos clientes. (Precedentes E-2336/01, E-2389/01, E-2.609/02, Parágrafo 3º do EOAB e Resolução n. 13/97, deste Sodalício). Proc. E- 4.036/2011 – v.u., em 15/07/2011, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI – Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

Nada na fotografia retirada no local na última segunda-feira (04) sugere que dentro do escritório de advocacia exista uma sala independente da Leme Empreendimentos operando de maneira autônoma, porém, registro, não cabe a mim fazer juízo de valor, mas sim à OAB/RO, e, no caso de Nilton Capixaba, ao Ministério Público (MP/RO) e ao juiz da Vara de Execuções Penais.

Levando tudo isso em consideração, pergunto:

a) À OAB/RO:

a1) O que a entidade pretende fazer para checar a situação?

a2) É possível escritório administrativo de empresa privada operar dentro de um escritório advocatício?

a3) Se constatada eventual violação ao Estatuto da Advocacia quais sanções podem ser aplicadas?

a4) Neste contexto de aplicação de sanções, a defesa de Nilton Capixaba seria atingida também?

b) Ao MP/RO

b1) Como os promotores enxergam essa situação do ponto de vista processual?

b2) Se constatada violação ao Estatuto da OAB, o réu pode responder também por fraude processual?

b3) Existe alguma diligência que pode ser feita a fim de dirimir essas dúvidas relacionadas ao caso do ex-deputado Nilton Capixaba?

c) Ao juiz da Vara de Execuções Penais (VEP)

c1) Se constatada a irregularidade, quais implicações para o réu?

c2) A controvérsia em si já não implicaria na suspensão do direito ao trabalho externo, com o Juízo marcando, em seguida, audiência de justificação para comprovar ou não as possíveis irregularidades?

c3) Comprovada eventual má-fé, a Vara de Execuções Penais pode regredir o regime aplicado a Nilton Capixaba do semiaberto para o fechado?

c4) A fim de estabelecer parâmetros, a Justiça de Rondônia tem números sobre o total de presos que conseguem migrar para o regime semiaberto ante a Declaração de Vaga de Emprego? 

c5) Casos como o do ex-deputado Nilton Capixaba onde há vaga disponível antes mesmo do início do cumprimento da pena são costumeiros no estado?

Crime e castigo

Há mais de um século e meio, o estudante Rodion Raskólnikov assassinava a odiosa agiota Aliena Ivánovna, que, a despeito de explorá-lo, ainda humilhava e torturava psicologicamente os seus clientes, cobrando juros extorsivos, astronômicos.

Raskólnikov entendia que não seria péssima ideia dar cabo da megera, afinal, quem em sã consciência sentiria falta de uma pessoa tão má?

A situação evolui para o duplo homicídio quando o criminoso é flagrado por Lisavieta, irmã mais nova da vítima, que também é morta a machadadas.

No mundo real e em contexto contemporâneo, Capixaba, o Raskólnikov tupiniquim, foi condenado por desviar dinheiro que deveria ser destinado à compra de ambulâncias, portanto aplicado à saúde pública.

A saúde pública é a megera Aliena Ivánovna do brasileiro: má, insensível, lenta, mórbida e injusta, porém, embora desastrosa da maneira concebida atualmente, nada justifica a estocada patrocinada pela lâmina imoral do ex-deputado.

Lisavieta, encarnada pelos atores em torno do Poder Judiciário e dos órgãos de fiscalização e controle, flagrou a ação de Balbino, mas, longe da conclusão apresentada pela história original, sobreviveu às investidas do político, denunciando, condenando e garantindo a prisão de seu algoz.

Resumindo, o desfecho de Lisavieta, ou seja, da nossa Justiça e instituições que a orbitam, está em suas próprias mãos. Se forem constatadas eventuais irregularidades na execução da pena e não houver reação célere para responsabilizar os envolvidos, irá, certamente, para a cova logo ao lado da irmã – decapitada.

O Poder Judiciário estadual precisa provar para o rondoniense de uma vez por todas que aqui impera a Terceira Lei de Newton, o princípio da ação e reação – a máxima do crime e castigo.

FONTE:  VINICIUS CANOVA –  RONDONIA DINÂMICA

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