Alta da moeda americana não anima empresários do agronegócio, que estão aguardando uma definição sobre o tabalamento dos fretes para voltar a negociar
A disparada do dólar ante o real nos últimos dias, que em outros tempos levaria produtores de soja e milho do Brasil a intensificar as vendas, não permitiu uma enxurrada de comercialização desta vez, já que as incertezas quanto ao tabelamento de fretes proposto pelo governo deixam as pontas vendedora e compradora em compasso de espera, segundo especialistas ouvidos pela Reuters.
Dado o peso do transporte rodoviário para a safra do Brasil, o agronegócio está no aguardo de uma definição sobre os fretes antes de voltar a negociar, deixando de lado a apreciação do dólar frente o real, um clássico estimulante às vendas por proporcionar maiores retornos em moeda local.
Ainda que uma parte dos agentes tenha aproveitado para negociar vendas para entrega no futuro, a sensação no mercado foi de paradeira nos últimos dias, apesar de uma alta de cerca de 5 por cento no dólar na última semana até quinta-feira –nesta sexta-feira, a moeda despencava ante o real, após o Banco Central anunciar medidas.
“A valorização (do dólar) levaria a uma melhora de preço e a uma melhora de comercialização, mas a incerteza com os fretes limita isso… O comprador não consegue fechar o preço porque não sabe quanto vai ter de custo logístico”, afirmou o analista de mercado Enilson Nogueira, da Céleres, referindo-se a negócios com soja e milho.
Ainda que a volatilidade no câmbio também afete os negócios, é a questão do frete a maior trava. Pairam muitas dúvidas sobre o funcionamento da tabela anunciada pelo governo entre as medidas para encerrar os protestos de caminhoneiros. Na véspera, uma nova versão do tabelamento foi aprovada e, poucas horas depois, suspensa.
Nesta sexta-feira, houve uma reunião na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas não há expectativa de uma nova tabela nas próximas horas, para desespero daqueles que têm embarques programados nos portos. Associações do setor já apontam uma queda nos embarques de soja neste mês, devido ao impasse do frete, que afeta o Brasil em momento em que os estoques estão baixos nos portos, após os protestos.
O diretor da corretora Cerealpar, Steve Cachia, ressaltou que a comercialização da safra brasileira de soja 2017/18, que atingiu um recorde de quase 120 milhões de toneladas, está “praticamente parada” desde 21 de maio, quando estouraram as manifestações.
“Sem dúvida nenhuma, o principal fator levando o mercado a ficar travado é a greve dos caminhoneiros do mês passado e as consequências disso.”
Para ele, contudo, o frete não é a única preocupação do mercado no momento. “Os produtores estão olhando o preço da soja em Chicago derreter e isso também contribuiu para deixar o sentimento mais negativo ainda”, adicionou.
Desde fevereiro, a oleaginosa na CBOT já acumula queda de 12 por cento, saindo de quase 11 dólares para 9,6 dólares por bushel, em meio a uma maior oferta mundial, perspectivas favoráveis para a safra dos Estados Unidos e tensões comerciais.
Toda essa conjuntura deve frear as vendas da soja recém-colhida na safra deste ano, que vinham fortes. Também pode atrapalhar as negociações da segunda safra de milho, a “safrinha”, em fase inicial de colheita.
Segundo acompanhamento divulgado nesta semana pela Datagro, a comercialização da soja 2017/18 atingia 73 por cento do volume produzido, contra 61 por cento há um ano e 70 por cento na média recente.
A própria consultoria, agora, já alerta que os prêmios da soja perderam um pouco de embalo e “novos negócios estão sendo inviabilizados pela alta nos fretes gerada pelo tabelamento”. No mercado de milho, também há lentidão.
Uma fonte do mercado disse até que “o ABCD está fora (dos négocios)”, em uma referência ao quarteto de tradings que se destaca no mercado mundial: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company (LDC).
Venda a termo
Devido às incertezas sobre a tabela e ao dólar forte, uma parte dos agentes do mercado prefere negociar contratos a termo, com entrega no segundo semestre, pontuou o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.
“Além da dificuldade no frete, os preços estão mais atrativos para os meses posteriores”, afirmou o centro de estudos.
Em Paranaguá (PR), a paridade de exportação de soja indica preços a 93,49 reais/saca de 60 kg para agosto de 2018 e a 99,04 reais/saca para setembro/18, considerando-se o dólar futuro dos respectivos meses na B3 de quinta-feira, disse o Cepea. Na última semana, indicador do Cepea registrou alta de 1,3 por cento, para 87,69 reais/saca.
Outros produtores, por sua vez, preferem já garantir preços satisfatórios nas negociações da próxima safra (2018/19).
FONTE: REUTERS
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