Produto é coletado da floresta nativa e em pequenas quantidades: apenas 20 quilos por safra
Na pontinha do território montanhoso, ao extremo noroeste de Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela, os índios Yanomami descobriram, ao longo dos séculos, que dos vários tipos de cogumelos que brotam espontaneamente na floresta tropical, apenas 16 são comestíveis. Agora, esse conhecimento ancestral se materializa em embalagens sofisticadas para atender ao exigente mercado gourmet, e estão à venda desde maio de 2016 no Mercado de Pinheiros, em São Paulo (SP).
É a primeira vez que cogumelos nativos são comercializados. A descoberta da viabilidade econômica das espécies brasileiras foi feita pelo antropólogo Moreno Saraiva Martins, que percebeu o interesse dos índios em vender sua produção quando realizava estudos na tribo. “Uma vez comentei que os brancos pagavam caro para comer os fungos de origem europeia e asiática. Eles ficaram fascinados. Falaram ‘nós também temos cogumelos, como na cidade. Como podemos vendê-los?’”, conta o antropólogo.
A partir dessa conversa, ocorrida em 2012, os Yanomamis, juntamente com Moreno, desenvolveram uma pesquisa multidisciplinar sobre os aspectos sociais, ambientais, gastronômicos e econômicos da produção e venda dos cogumelos.
Centros de pesquisa como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Instituto Socioambiental (ISA) testaram a toxidade, catalogaram e verificaram o impacto da atividade extrativista. O instituto Atá, criado pelo caçador de iguarias exóticas brasileiras, o chef Alex Atala, conferiu se as variedades eram saborosas e a Hutukara Associação Yanomami elaborou uma pesquisa sobre a dieta dos índios, conduzida por jovens do povo Sanöma, que integra a nação Yanomani.
A descoberta surpreendeu o cozinheiro. “Isso [a descoberta] me remeteu ao ano de 2003, quando em meu primeiro livro escrevi que não era possível que no Brasil não houvesse cogumelos comestíveis. A descoberta desses cogumelos reforça uma crença nossa: a importância do diálogo entre diferentes disciplinas. O estudo de cogumelos em terras brasileiras é muito anterior a isso, mas, infelizmente, a cozinha e a pesquisa/ciência não souberam conversar para que as coisas andassem mais rápido”, conta Atala.
O resultado dessa pesquisa conjunta é um livro bilíngue (em português e na língua sanöma) escrito pelos índios, que, além de registrarem seu conhecimento, ajudaram a nomear as espécies. Antes da publicação, o único registro dos cogumelos na região era datado de 1970.
Após aprovados em todas essas instâncias, era preciso pensar no beneficiamento dos produtos. Vender in natura seria inviável, já que a logística é dificílima e os cogumelos frescos são bastante perecíveis. A única forma de acessar a aldeia é através de um avião monomotor pequeno cujo aluguel gira em torno de R$ 20 mil. A tribo é isolada, não há nenhuma estrada, nem mesmo de chão batido, que conduza até lá.
A ideia então foi tentar a versão yanomami do funghi secci, que os italianos adoram cozinhar no risoto. A versão desidratada tem maior durabilidade e preserva as características do produto. Quando reidratados, os cogumelos voltam à textura macia saborosa.
Moreno construiu uma caixa de desidratação movida à luz solar, já que energia elétrica é inexistente na tribo. Mas o processo tecnológico se mostrou ineficaz pela demora e dificuldade de expandir a produção. A saída, novamente, foi recorrer aos conhecimentos dos índios, que lançaram mão de métodos locais de secagem usados em produtos como a mandioca, frutas e carnes de pesca e caça: a exposição ao sol ou ao fogo.
Além de desitratar, o fogo ainda defuma os cogumelos, deixando um aroma que perfuma qualquer prato. Com o resultado positivo das técnicas dominadas pelos índios, Moreno levou a Atala três quilos do mix de cogumelos para a prova. “Ele disse que foi um dos melhores cogumelos que já tinha comido e que o sabor era viável comercialmente”, conta o antropólogo.
Os Sanömas intensificaram a coleta nas capoeiras, como são chamadas as clareiras abertas na mata. O resultado é uma safra anual de apenas 20 quilos destinados à venda. A intenção dos índios é dobrar o volume através de técnicas agrícolas sustentáveis aplicadas nas roças de mandioca abandonadas, mas sem perder suas características. “Eles são mais coletores do que agricultores”, explica o antropólogo.
Entretanto, Alex Atala avisa que o potencial econômico dos cogumelos Yanomami é baixo. “Temos de entender que não estamos nem devemos transformar índios em catadores ou produtores de cogumelos. Estamos colhendo-os dentro do sistema tradicional de vida deles. Esse é o maior objetivo, maior sonho e inspiração deste projeto: protegê-los através da cadeia do alimento. Ela é o maior suporte para as populações tradicionais”, aponta.
Todo o dinheiro oriundo da venda do mix de cogumelos vai para os índios, que utilizam a renda para comprar ferramentas e alguns itens industrializados. Mas a iniciativa tem uma intenção muito mais nobre que a exploração econômica: a valorização da sabedoria Yanomami, quase extinta. Os Sanöma estão distribuídos em 20 comunidades pela reserva indígena. A população total é de cerca de três mil pessoas. “Se não valorizarmos, esse conhecimento se perde. É preciso contar a história, e efetivamente dar um valor a isso”, diz o antropólogo Moreno Saraiva Martins.
Cada pacotinho do mix de cogumelos custa R$ 15, nas versões seca e em pó. Além disso, a atividade ajuda a manter a floresta em pé.
Fonte: Portal do Agronegocio
all of these 4 way stop practically ‘forward