O GLOBO ouviu relatos comoventes de pessoas que estão em filas de espera há meses
A batalha diária de pacientes em busca de atendimento médico para aliviar seu sofrimento, de uma simples consulta a uma cirurgia, é a prova de que a crise da saúde é generalizada. Embora tenham socorrido a rede estadual — com liberação de recursos e municipalização de unidades —, a prefeitura e o governo federal também não têm muito o que comemorar no que diz respeito aos próprios hospitais. Em visita a unidades das três esferas, O GLOBO ouviu relatos comoventes de pessoas que estão em filas de espera há meses. Pode-se aguardar mais de um ano para se conseguir um simples exame de imagem.
No Hospital Federal Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, uma paciente contou que, desde junho, está na fila por uma cirurgia de hérnia umbilical, sem qualquer previsão. Por isso, teme sofrer complicações. Lá, na manhã da última quinta-feira, outros pacientes também reclamavam da espera na emergência, de três horas em média.
Aguardar por atendimento já é rotina na vida de quem necessita da rede pública.Pacientes do Hospital Municipal Souza Aguiar e do Centro Estadual de Diagnóstico por Imagem (Rio Imagem), um dos mais bem equipados do Rio, se queixam de demora e falta de pessoal. As duas unidades ficam no Centro.
A rede de saúde do estado enfrenta uma grave crise e, em dezembro, esteve à beira de um colapso completo. Os hospitais Getulio Vargas (Penha), Albert Schweitzer (Realengo) e da Mulher (São João de Meriti) chegaram a fechar as portas da emergência. Devido ao quadro, a prefeitura, antes de anunciar que assumiria a gestão do Albert Schweitzer e do Rocha Faria (Campo Grande), chegou a liberar um empréstimo de R$ 100 milhões para o governo estadual. Ao assumir os dois hospitais, o município se vê diante da perspectiva de um gasto extra anual de aproximadamente R$ 500 milhões, que exigirá uma manobra no orçamento de 2016.
Já o Ministério da Saúde, em dezembro, acenou com um repasse, em parcelas, de R$ 135 milhões. A última remessa, de R$ 75 milhões, chega amanhã. Apesar da ajuda, a dívida total da Saúde estadual ainda está em quase R$ 1,4 bilhão.
Juntas, as redes federal, estadual e municipal têm 356 unidades, de UPAs a hospitais de alta complexidade. A crise ensinou que, além de questões financeiras, há sérios problemas de gestão, que exigem administração compartilhada. A promessa é otimizar o uso de insumos (com remanejamento de recursos de um hospital para outro, independentemente da rede) e ter maior flexibilidade para atender pacientes. Na prática, a reportagem mostra que a promessa ainda não saiu do papel.
Quase 20 horas de espera no Souza Aguiar
Com a perna inchada e a sensação de estar em brasa, resultado de uma trombose, Suzane da Silva, de 47 anos, não viu outra opção a não ser pernoitar de quarta para quinta-feira numa cadeira do Hospital Municipal Souza Aguiar. Ela contou que chegara por volta das 19h30m e que, depois de duas horas, fora informada de que não seria atendida:
— Eu precisava fazer um exame doppler (um tipo de ultrassom), mas me disseram para voltar hoje (anteontem), porque não havia quem operasse a máquina. Como moro em Jardim Gramacho, dormi aqui. Se ao menos houvesse uma maca, poderia ficar deitada, quietinha.
Suzane contou ter sido avisada de que o atendimento seria às 10h de anteontem, mas ele só aconteceu depois das 14h:
— E ainda me disseram: “Dê-se por satisfeita”. Se reclamar, vou para o fim da fila. Sou diabética e fiquei sem comer a noite toda.
Quase 20 horas depois de ter chegado, ela foi liberada.
— Só confirmaram a trombose e me mandaram para casa — disse.
Em nota, a direção do Souza Aguiar informou que, em emergências, deve-se estabilizar o quadro clínico do paciente e que “o doppler é um exame complementar, para confirmação do diagnóstico”. Também afirmou que prioriza os casos graves.
Há seis meses aguardando uma cirurgia
Marisa da Silva está desde junho na fila por uma cirurgia de hérnia umbilical no Hospital Federal Cardoso Fontes, em Jacarepaguá – Marina Cohen
Desde junho na fila por uma cirurgia de hérnia umbilical no Hospital Federal Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, a dona de casa Marisa Gomes da Silva, de 54 anos, disse que está quase “perdendo a esperança”. A moradora de São João de Meriti contou que sua rotina é limitada pela dores e que não consegue saber o porquê de tanta demora:
— Tenho medo de a hérnia se romper. Só me disseram que, quando houver vaga, vão me ligar. Estou com tudo na mão: risco cirúrgico, exames de imagem…
Na última segunda-feira, ela esteve na emergência, às 22h, com suspeita de crise renal.
— Só consegui atendimento depois de ligar para o 190 e chamar o Samu. Quando os paramédicos chegaram, foi uma confusão na porta do hospital, e eu dei entrada às duas da manhã — contou.
Saiu de lá com pedido de ultrassonografia, que faria na rede privada. Mas só em casa percebeu que o documento tinha data do ano passado. Como uma comédia de erros, voltou anteontem ao hospital para corrigi-lo, mas foi informada de que blocos de pedido de exames com data de 2016 ainda não haviam chegado.
— Foram mais quatro horas, e nada resolvido.
A direção do hospital informou “que concentra esforços para agilizar o andamento da fila cirúrgica”.
Há 1 ano e 6 meses em busca de ressonância
“Espera” também é uma palavra da vida de Luciene de Souza, de 33 anos. Com endometriose, ela aguarda há um ano e seis meses por uma ressonância magnética – Gabriel de Paiva
“Espera” também é uma palavra da vida de Luciene de Souza, de 33 anos. Com endometriose, ela aguarda há um ano e seis meses por uma ressonância magnética. Tem tentado, em vão, fazer o exame numa das unidades mais bem equipadas do estado, o Centro de Diagnóstico por Imagem (Rio Imagem).
— Dependo desse exame para saber qual o quadro da doença e se devo fazer ou não uma operação. Olho para esse prédio e fico revoltada. Milhares de pessoas estão na mesma situação. A que ponto a gente chegou — criticou Luciene.
Enquanto não faz o exame, ela gasta com remédios para suspender a menstruação, procedimento recomendado para quem tem a doença. Luciene disse que sente dores constantes e tem ganhado peso devido à medicação:
— Como não tenho menstruação, vivo inchada, com dores de cabeça horríveis, e transpiro como se estivesse na menopausa. É muito ruim.
Procurada, a direção do Rio Imagem disse que “todos os exames na rede estadual de saúde devem ser agendados diretamente pelo município de origem do paciente”. O centro acrescentou que não há registro de agendamento para Luciene de Souza e que ela deveria procurar uma unidade básica de saúde.
Fonte: oglobo
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