Maurício Antônio Lopes – Pesquisador da Embrapa
Heráclito de Éfeso, o filósofo grego que viveu por volta de 500 a.C., nos ensinou que nada é permanente, exceto a mudança. Segundo ele “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, pois na segunda vez “o rio e a pessoa já não serão os mesmos”. Embora pareça um tanto óbvio que a vida flui em constante transformação, a nossa natureza humana tende frequentemente a resistir a mudanças, nos seduzindo com a conveniente, mas falsa noção de que o mundo pode ser previsível e que nele podemos viver em confiável estabilidade.
O pensamento de Heráclito nos empurra para fora desta ficção, alertando que a nossa existência está em constante fluxo, com o futuro sempre desafiando a nossa capacidade e certezas. A pior pandemia em um século é exemplo atualíssimo de que não há futuro garantido e que a qualquer momento as nossas certezas podem ser colocadas em xeque, as nossas expectativas podem ser desafiadas e a nossa confiança corroída. O que pode produzir inação e medo do futuro, ou, no outro extremo, estímulo para se buscar preparo e novas formas de se enfrentar incertezas e riscos.
É por isso que mudança, adaptação, reinvenção e resiliência são conceitos que ganham cada vez mais força nesse tempo de rápida evolução tecnológica, economias voláteis e crescente preocupação com o clima e a estabilidade do planeta. A agenda de desenvolvimento sustentável já permeia praticamente todos os domínios da atividade humana, cristalizando em parcela cada vez maior da sociedade a percepção de que é preciso investir na reconciliação entre os sistemas humanos e a natureza, construindo visões e rotas alternativas para o futuro.
Esta foi essencialmente a tônica da COP 26, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada entre 1 e 12 de novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia. A agenda da conferência demonstra que nunca se empreendeu um esforço coletivo mais ambicioso que reduzir emissões e estabilizar o clima do planeta. Há abundantes evidências de que a ação humana é a principal causa da crise climática e se quisermos um planeta habitável no futuro, países, indústrias e setores devem se descarbonizar com urgência.
É interessante notar que a cada nova cúpula do clima, dados e evidências se acumulam indicando que o negacionismo climático se tornou arriscado demais, inibindo ações concretas e eficazes para preparo dos nossos sistemas econômicos, naturais e políticos para lidar com os choques e consequências das mudanças em curso. Mudanças já abundantemente comprovadas pela ciência como reais e potencialmente catastróficas para a humanidade.
Dentre os setores mais pressionados por esta realidade está a agricultura, a ponto do Secretário de Agricultura americano, Tom Vilsack, ter admitido em Glasgow que a crise climática não é um problema para o futuro, mas uma ameaça do presente que está a exigir mudanças de trajetória na produção agrícola. Uma alteração significativa de postura dos EUA, considerando que em 2017 o então presidente americano Donald Trump anunciou a saída do Acordo de Paris, efetivada em 2019. O fato é que um olhar atento às discussões e debates da COP 26 aponta para uma conclusão geral – de que transformar e acelerar a inovação na busca de uma agricultura descarbonizada e resiliente é um objetivo que deve ser perseguido por todos, em especial pelas grandes nações agrícolas, como o Brasil.
Na verdade, o nosso país tem razões de sobra para se preocupar com a conformação da sua agenda climática e com as expectativas e metas de descarbonização em âmbito global. As temáticas relacionadas a desmatamento ilegal e à integridade de biomas sensíveis e críticos para toda a humanidade, como a Amazônia, colocam o país em enorme evidência. Evidência que enseja intenso escrutínio sobre as questões ambientais brasileiras, nem sempre com narrativas e avaliações corretas e justas. Infelizmente já está internacionalmente disseminada a visão de que “o Brasil está contra o mundo” na questão climática, o que exige de nós mais esforços em inteligência estratégica e diplomacia.
Por isso temos pela frente o enorme desafio de seguir superando passivos – avançando na descarbonização dos sistemas produtivos, combatendo o desmatamento ilegal e a perda de biodiversidade – ao mesmo tempo buscando estratégia mais sábia para desmistificar preconceitos e fortalecer a imagem da agricultura brasileira perante o mundo. Já está claro que o discurso, também equivocado, de que “o mundo está contra o Brasil” não funciona, e só contribui para agravar oposição, pessimismo e negativismo, além de favorecer narrativas baseadas em emoções e subjetividade.
Voltando ao pensamento de Heráclito – de que “nada é estático, tudo se move, tudo muda”, o que precisamos é buscar formas criativas de mostrar aos brasileiros e ao mundo que a nossa agricultura não está parada no tempo, mas em intenso processo de transformação, na busca de sintonia com a agenda global pela sustentabilidade. E como vivemos em um tempo dominado por mídias de tempo real e táticas de influência e desinformação poderosas e destrutivas, é imperativo seguirmos investindo numa agricultura fortemente baseada em ciência, gerando dados e evidências sólidos, que são as armas capazes de vencer a desinformação e o negacionismo.
FONTE: ASSESSORIA EMBRAPA
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