Ordem é ter a grandeza de ceder o que puder das fortunas para preservar o ganha-pão de quem rala de fato – mesmo porque daqui a pouco tudo passará
A exemplo do que ocorreu recentemente na Europa, os clubes brasileiros estão em fase de definição de acordos com jogadores, funcionários e seus sindicatos para redução temporária de salários e, em alguns casos, adiamento de pagamento dos direitos de imagem, ambos consequências do coronavírus.
Até aqui, um movimento esperado e compreensível. Dos modestos times de clubes sociais dos interiores e rincões aos hoje todo-poderosos Flamengo e Palmeiras, todos estão sofrendo com quedas violentas nas receitas de arrecadação, patrocínio e bilheteria desde a chegada da pandemia ao Brasil. Verdadeiramente todos eles, sem a mais remota e disfarçada exceção.
O Flamengo do presidente Rodolfo Ladim e do vice de futebol Marcos Braz, em tese o primo rico com mais grana no cofre e bala na agulha da atualidade, acaba de fechar com o sindicato dos funcionários um acerto para descontar um quarto (25%) do valor que ultrapassar R$ 4 mil no salário. Quem ganha daí para baixo está livre do abatimento.
Exemplo: de um salário de R$ 5 mil, serão retirados R$ 250, equivalentes a 25% dos R$ 1 mil além do valor de base definido, de R$ 4 mil. Neste caso, o colaborador rubro-negro receberá R$ 4.750 brutos. De um vencimento de R$ 6 mil, serão descontados R$ 500, correspondentes a um quarto, ou 25%, dos R$ 2 mil além da base.
Os abatimentos no Flamengo foram definidos para os salários de maio e junho, a serem pagos em junho e julho, mas poderão ser prorrogados se os efeitos da pandemia se alongarem. O clube possui cerca de mil funcionários na sede da Gávea e nos centros de treinamento do Ninho do Urubu. A negociação para os descontos no alegrete dos jogadores rubro-negros ainda não foi fechada. A diretoria espera definir o assunto até a próxima terça-feira (5).
Tudo caminha no rubro-negro para um acordo semelhante ao fechado no Palmeiras. O Verdão acertou com o elenco uma redução de 25% nos salários em carteira de maio e junho de todo o departamento de futebol, incluindo o técnico Vanderlei Luxemburgo. E também o adiamento do pagamento dos direitos de imagem de abril e maio. Os primeiros serão divididos entre setembro e dezembro de 2020 e os segundos, de janeiro a junho de 2021.
Os entendimentos para o corte temporário de parte dos salários por causa da epidemia de coronavírus são realidade em praticamente todos os clubes de todas as séries do país. O Cruzeiro, rebaixado para a Série B, também definiu os abatimentos em 25%. Botafogo e Atlético-GO prometeram pagar integralmente os salários até abril e deverão anunciar seus acordos em breve.
Amparado pela gigante Red Bull, o Bragantino é um dos poucos ainda resistentes à ideia dos descontos. Seus dirigentes tentarão compensar a diminuição de receita em outros pontos, como a economia na contratação de atletas, que no ano passado consumiu respeitáveis R$ 84 milhões.
É fundamental que clubes e jogadores entendam a situação com grandeza e, acima de tudo, compromisso social. Atletas remunerados com fortunas precisam compreender a necessidade imperiosa de serem nobres no momento, cedendo o máximo possível de seus ganhos para preservar o emprego e a qualidade de vida de funcionários que, estes sim, em maioria passam aperto contando dinheiro para pagar as contas no dia-a-dia, como qualquer trabalhador.
Se for aplicado um desconto de R$ 25% sobre um salário de R$ 100 mil de um jogador, por exemplo, ele deixará de receber 25 mil nos dois meses. Esse valor é o mesmo do que seria descontado de cem funcionários que recebem mensalmente os R$ 5 mil do exemplo anterior. Isso: cem. O mesmo percentual sobre um de R$ 500 mil geraria uma economia de R$ 125 mil para o clube, equivalente a nada menos do que 500 descontos dos mesmos R$ 250.
Vamos a outro exercício. Se cada jogador topasse ceder 30%, em vez de 25%, nesses dois meses, o com salário de R$ 100 mil deixaria R$ 30 mil e o que ganha R$ 500 mil, o total de R$ 150 mil.
No primeiro caso, com R$ 5 mil a mais, daria para compensar e deixar de descontar R$ 250 de vinte salários de R$ 5 mil. No segundo, o acréscimo de R$ 30 mil dos 5% a mais do vencimento de um único jogador permitiria cobrir o valor do corte em nada menos do que 120 funcionários com salário de R$ 5 mil.
Sabe-se que é tarefa difícil encontrar boleiro em grande clube brasileiro que ganhe “apenas” R$ 100 mil. Por outro lado, achar os com salário acima de R$ 500 mil é bem menos raro do que deveria ser. Não bastasse, não será nada definitivo: daqui a pouco tudo voltará ao normal, inclusive o encaixe da boleirada.
Esses exemplos hipotéticos foram criados para mostrar o seguinte: nessa estrutura tão desigual dos clubes brasileiros, jogadores e dirigentes precisam ceder ao máximo para que os cofres sejam equilibrados com o mínimo de sofrimento dos trabalhador efetivo desse triângulo: o funcionário.
FONTE: R7.COM
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